segunda-feira, maio 10

Os pobres vão pagar mais caro para ler

A interminável novela da reforma tributária não se conta em capítulos: conta-se em décadas. A EC nº18/66 e a Lei nº 5.172/66 entraram em vigor no primeiro dia de 1967. Lá se vão 54 anos e faz mais de quarenta que minhas atividades (Auditor Fiscal, concursado em 1970) profissionais e políticas colocaram diante da agenda Reforma Tributária. Trata-se do maior consenso favorável em abstrato e insuperável dissenso no mundo real.

Neste tempo, todos os princípios do sistema foram profanados: neutralidade, eficiência e equidade. A grande vítima: o contribuinte. E quando me deparei com o Projeto de Lei n° 3.887, que institui a Contribuição de Bens e Serviços em substituição ao PIS e COFINS com a alíquota única de 12% sobre a aquisição de livros por quem ganha até dois salários mínimos, a indignação superou o ceticismo.

A burocracia fazendária alega que simplifica e mantém a carga tributária. Um sofisma. O projeto tem efeito colateral mais grave do que a doença fiscal da carga tributária e da complexidade do sistema. Taxa os mais pobres, subvertendo o conceito de equidade fiscal.


A esperteza técnico-jurídica é fundir contribuições que não são alcançadas pela imunidade tributária prevista no Art. 150, VI, letra d, da Constituição (livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão); a malvadeza está exposta nos bem-intencionados argumentos, depositados na morada do diabo.

Eis o que está (ou esteve) exposto no site da Receita Federal: “De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 – POF – (som estranho), famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos, e a maior parte é consumida pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos. Neste sentido, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas”.

No orçamento brasileiro, sabe-se como o dinheiro entra. O que não se sabe é para onde vai. “Políticas focalizadas” são eficientes. Mas falta dinheiro que subsidiou “campeões”, enfim, livres e abraçados com a impunidade.

Para detonar estes argumentos obscenos, vamos a alguns exemplos dos que conseguiram ler sob chamas do candeeiro, estômago roncando e vencendo léguas de distância das “escolas de taipa”.

Sem ordem cronológica, pobres e negros, como traços biográficos comuns: Lima Barreto (1881-1922); Cruz e Souza (1861-1898), perdeu quatro filhos tuberculosos; Tobias Barreto (1839-1889), imigrante (era sergipano), destacou-se na filosofia, no direito, na poesia, líder do movimento “A Escola do Recife”, autodidata, redigiu e publicou, em alemão, o jornal Deutscher Kaempf, adepto que era do germanismo; Carolina Maria de Jesus (1914-1977), catadora de papéis, (“Quarto de Despejo”, obra-prima, traduzida em 14 línguas e publicada em mais de 40 países).

Sobre Machado de Assis, escreve Harold Bloom: “Gênio: os 100 autores mais criativos da história da literatura […] Memória póstumas de Brás Cubas, escritas do túmulo, tornam o esquecimento singularmente divertido”.

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