Os trovões sucedem-se e parecem rebolar na serra como um Titã colossal, assustadoramente, num rimbobar alucinante e satânico.
O sol deve estar no zênite, pois os ponteiros se cruzam sobre as doze. Mas quem o vê? Ninguém. Só a chuva, fustigante, torrencial, desce das nuvens plúmbeas e compactas que escondem tristemente o azul do céu.
Mas apesar de tudo, Luizinho está na rua. Tiritante, com a roupa ensopada em água, colada ao corpo magro, brinca, com os pés molhados sobre a lama fria e pastosa.
Na sua casa humilde e sem conforto, sua madrasta, magra e raquítica talvez mais do que ele, fala sem parar. Menino mau! Chovendo, e ele na rua! Também, pouco se importava ela. Se aquele cão morresse, melhor para ela. É um de menos na casa pequena e sem cômodos. Como ela sofria por causa daquele menino! Toda manhã, tinha que acordá-lo. E à mesa? Tinha que fazer coisas diferentes para ele comer. Credo! Aquilo era vida? Viver, era ir a cinema, bailes, festas, viajar… Ah! Um dia, ela deixaria aquela vida. Não sabia mesmo porque se casara com aquele pedreiro. Fora uma coisa assim, como um divertimento, uma curiosidade de mulher, que a fizera contrair matrimônio. E com um homem sem futuro! Sua fé, era o jogo do bicho. Mas como a sorte só chega para quem não precisa… ele nunca fora premiado. Mas era bom. Tudo que tinha era também dela.
Um ranger de dobradiças arrancou-a das suas reflexões em voz alta. Era Luizinho que entrava. “Mamãe – o pai acostumara-o a chamá-la assim – eu quero uma roupa pra mudar”.
Francisca – era este seu nome – colou as mãos sobre os rins numa pose autoritária, enquanto gemia entre dentes, ironicamente: “Mamãe…”. Logo, mudando este tom irônico para outro irritado, exclamou: – “Isto tem jeito, menino? Chovendo dessa maneira e você levando chuva? Ora, que você não tem nunca jeito de gente! Você me mata! Está ouvindo? Mata mesmo. Se estou magra assim, acabada, com a pele no osso, é por sua causa. Você me aperreia o dia todo! Até quando está fora de casa, me aperreia! Seu cão! Cachorro!”. E aplicou-lhe violentamente dois cascudos na cabeça grande e deformada, enquanto dizia: – “Tome o que você precisa, idiota!”
Luizinho saiu chorando, enquanto a madrasta descompunha-o desenfreadamente, assustando os vizinhos.
Luizinho chorava. Chorando, foi que ele entrou no seu cubículo pobre de menino sem infância – porque infância é doçura, e na vida só houvera amargor.
Chorando, ajoelhou-se, e foi chorando ainda que rezou, entrecortando as frases de soluços ante uma imagem descorada e velha de Nossa Senhora: – “Mamãezinha do Céu! Faz com que essa mamãe daqui não morra… Ela me dá cascudos, e ralha comigo. Mas eu gosto dela, porque papai lhe quer bem… Se ela morrer, papai vai ficar triste… Minha Nossa Senhora, vou rezar duas Ave Marias pra mamãe não morrer”.
“Ave Maria… cheia de graça… o Senhor é convosco…”
Lá fora, a chuva caia sem parar, unissonamente. Os trovões sucedem-se, e parecem rebolar assustadoramente, num ribombar alucinante e satânico.
E Francisca continua falando:
– “Menino mau! Menino mau!…”
Luizinho reza… E frente a ele, velha e descorada, a imagem de Nossa Senhora parece sorrir complacentemente.
Osman Lins
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