Os livros
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Susa Monteiro |
Trabalhei como um danado, diariamente, anos a fio, de modo que me sinto no direito de repetir a frase de Bocage, depois de dizer aos outros um poema seu: – Isto é meu, isto não morre que é a única eternidade a que posso aspirar e que, de qualquer maneira, não me servirá de nada Acabei o livro que me ocupava de manhã à noite há quatro ou cinco dias, mandei para a Editora com as últimas correções e só o tornarei a ver, já impresso, para o ano. É o romance de 2019 e faltam-me agora três para completar o meu trabalho e deixar a obra redonda. Sei bem o que ela vale mas não me compete a mim pronunciar-me acerca disso. Não publicarei mais nada. Continuarei, que remédio, a escrever as crónicas para a revista Visão. Não passam de prosa alimentar, sem qualquer valor literário. Estupidamente publiquei ou consenti a publicação de quatro ou cinco coleções delas. Exijo que não o voltem a fazer. Não têm qualidade. Foi nos romances que joguei a minha vida e sei o que eles valem. As ditas crónicas são, evidentemente, medíocres: é pelos romances que quero ser julgado, não por esses textinhos baratos e sem valor, destinados a ajudarem financeiramente as minhas filhas. A sua qualidade é, no mínimo, questionável. Espero não ter de continuá-las durante muito mais tempo. Do mesmo modo proíbo que se imprimam a cerca de meia dúzia de artigos sobre a relação entre a Medicina e a criação artística que se editaram em revistas de vária índole, acerca de Antero, D. Duarte, Lewis Carrol, etc. e que nada valem também, os poemas mais ou menos juvenis espalhados em revistas dispersas, as primeiras tentativas, falhadas claro, de ficção. Resigno-me a deixar em circulação as Cartas da Guerra pelo seu provável valor documental, como lembrança de uma época horrível da nossa História colectiva em que, em consequência da censura militar e da censura política não pude descer muito fundo no horror de África, para mais com a censura tão atenta a mim em consequência da minha grande amizade com Ernesto Melo Antunes, sem dúvida o militar mais lúcido e corajoso que conheci, eu que vivi tanto tempo entre rapazes inigualáveis de humanidade e coragem, de mistura, claro, com alguns cobardes que sempre existem, e de situações abjectas de que jamais falei, eu que, evidentemente, nunca fui herói de nada. Portanto a única coisa que quero que fique de mim são os romances, a começar em Memória de Elefante e a terminar no último dos três que me falta compor. Tenho um alto conceito da minha obra, não conheço outra assim embora não me creia vaidoso. Trabalhei como um danado, diariamente, anos a fio, de modo que me sinto no direito de repetir a frase de Bocage, depois de dizer aos outros um poema seu: – Isto é meu, isto não morre que é a única eternidade a que posso aspirar e que, de qualquer maneira, não me servirá de nada. O que penso aspirar, como quando perguntaram a Evelyn Waugh o que aguardava dos seus leitores, é, como ele respondeu – Que rezem pela minha alma pecadora. Ouviste, Bento? Ouviste, Zé Tolentino? Por favor não se esqueçam de rezar pela minha alma pecadora.
António Lobo Antunes
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