Quero falar primeiro dos andarilhos, do uso em primeiro lugar que eles faziam da ignorância. Sempre eles sabiam tudo sobre o nada. E ainda multiplicavam o nada por zero – o que lhes dava uma linguagem de chão. Para nunca saber onde chegavam. E para chegar sempre de surpresa. Eles não afundavam estradas, mas inventavam caminhos.
Essa a pré-ciência que sempre vi nos andarilhos. Eles me ensinaram a amar a natureza. Bem que eu pude prever que os que fogem da natureza um dia voltam para ela.
Aprendi com os passarinhos a liberdade. Eles dominam o mais leve sem precisar ter motor nas costas. E são livres para pousar em qualquer tempo nos lírios ou nas pedras – em se machucarem. E aprendi com eles ser disponível e sonhar.
O outro parceiro de sempre foi a criança que me escreve.
Os pássaros, os andarilhos e a criança em mim são meus colaboradores destas Memórias inventadas e doadores de suas fontes.
Manoel de Barros, "Memórias Inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros"
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