terça-feira, abril 26

Dedicatórias em livros

Algumas pessoas têm o costume de, ao adquirir um livro, assinar nele seu nome. Outras, ainda, de o datarem. Eu não faço nada disso. Não faço também oposição alguma. Tenho um amigo que possui tal hábito. Já me presenteou vários livros e neles sempre há seu nome e a data que os adquiriu.

Não sou daqueles que acha um crime rabiscar um livro. Pelo contrário: acho que um bom livro tem de estar rabiscado, tem de ser velho, cheirar a 1888, ter as páginas amarelecidas, a lombada um pouco gasta... Não é que eu não goste dos livros novos. Gosto. Tanto quanto. Mas os antigos me dão a sensação de terem sido escritos em épocas que eu gostaria de ter ao menos presenciado...

Mas eu dizia que não acho um crime rabiscar um livro, tracejar algumas frases, circular algumas palavras e fazer anotações. Acho que isso diz muito da pessoa que o manuseia. Por exemplo.



Possuo o livro “Cânticos”, da Cecília Meireles, 3ª edição da Editora Moderna feita em 1983. Nele há anotações (e são muitas) de alguém que provavelmente era jovem e principiava os estudos sobre poesia, pois os versos estão divididos silabicamente e com seus significados ao lado, próprio de quem o tomou apenas para passar nas provas escolares.

Da mesma autora tenho as “Poesias completas”, da Civilização Brasileira, de 1974, que reúnem “Poemas de viagens”, “Poemas italianos” e “O estudante empírico”. Ali o dono limitou-se a escrever se gostara muito, pouco ou nada do poema. Percebe-se, pela escrita abreviada, que devia ser uma pessoa irrequieta, talvez com uma rotina agitada, que lia aquilo para um trabalho de faculdade ou por consideração a alguém que lhe era caro e devia ter lhe dado o livro.

Mas o que mais me fascina são as dedicatórias na contracapa. Acho gostoso ir a um sebo e encontrá-las nas minhas aquisições, como cartas que o mar conduz. Elas contam histórias, sugerem sentimentos, esboçam imagens de lugares e tempos afastados.

No livro “Sonata do desencanto”, de Cleómenes Campos, Editora Saraiva, 1950, uma tal Nair de Campos oferece a um amigo, “com o máximo respeito e o mais sincero aprêço”, os versos que ali vão. Ela escreve de Mogi das Cruzes, em 28-11-952.

Já em “A flor, o pássaro e o vento”, de Maria Thereza Galvão, um livro de sonetos editado pela Livraria Martins Editôra em 1966, a coisa é um pouco mais íntima. Nele é a própria autora quem faz a dedicatória, demonstrando uma proximidade para com os agraciados que remonta a épocas mais tranquilas e frutuosas.

O que muito me cativa nessa dedicatória é o fato de ela ter sido feita em 13-08-1981, nove dias antes do meu nascimento. Quem poderia imaginar, a autora poderia imaginar que seu livro um dia estaria nas mãos de um que nasceu 15 anos após sua publicação? Poderia ela imaginar que a sua proximidade para com aqueles seria agora a minha proximidade para com ela?

Isso, esse encontrar vestígios de vida de outras pessoas nos livros, que não o próprio autor e sua obra, participar um pouco de certo momento de suas vidas, imaginar como viviam, se ainda vivem e como estão, o que sentiam na hora que escreviam, supor o antes e o depois, essa relação com o passado, com a história de outros, é para mim fascinante.

Em “Os melhores poemas de Fernando Pessoa”, Global Editora, 1994, há uma das dedicatórias mais familiares que já tive o prazer de encontrar nos livros da vida. Transcrevo-a na íntegra abaixo, e deixo que você, meu leitor, sinta-a por si próprio.

“Isabella
Eis aqui um dos maiores poetas da língua portuguesa. Conhecê-lo é fundamental, amá-lo é inevitável! Sua poesia é para toda a vida, quem o conhece jamais tira seus livros da cabeceira. Você que quer fazer Comunicação conviverá com ele para sempre. Leia-o e sinta-o e concentre-se, com certeza você vai amá-lo e à língua portuguesa.
Feliz Natal
e
95 na faculdade!
Boa sorte.
Carol, Mimi e Gidinho”

É certo que os donos não tiveram consideração por aqueles que os presentearam, especialmente nossa Isabella, que parece não ter amado como queriam os seus agraciadores ao seo Pessoa, já que tais livros se encontram nas minhas mãos. Mas se não fosse isso eu não teria me relacionado com essas almas literárias, sentido um pouco de sua existência.

Acho que as dedicatórias são um livro à parte.

Rodrigo Della Santina

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