NOITADA ANARQUISTA!TEATRO MÁGICO! ENTRADA SÓ PARA RA...
— Estava à sua procura — exclamei alegre. — Que noitada é essa? Onde é? Quando vai ser?
O homem continuou a caminhar.
— Não é para qualquer um — disse indiferente, com voz sonolenta, e continuou seu caminho.
— Espere — gritei, correndo atrás dele. — Que leva nessa caixa? Gostaria de comprar-lhe alguma coisa.
Sem se deter, apanhou um folheto na caixa, mecanicamente, entregou-o a mim. Apanhei e guardei-o. Enquanto desabotoava o casaco para tirar dinheiro, o homem desapareceu por um portão, que se cerrou às suas costas. No pátio, ouvi soarem ainda seus passos pesados: primeiro, nas lajes do pavimento; depois, a subir uma escada de madeira; e não ouvi mais nada. Foi quando, de repente, me senti também muito cansado e tive a sensação de que era muito tarde e que seria conveniente regressar a casa. Corri apressado, e logo me encontrei em meu quarteirão, após atravessar as adormecidas ruelas do arrabalde, onde moravam, em pequenas casas muito limpas, atrás de um pouco de grama e hera, funcionários públicos e pequenos pensionistas. Passando diante da hera, diante da grama, diante do pequeno abeto, cheguei à porta de casa, procurei o buraco da fechadura, achei o interruptor da luz, deslizei pela porta envidraçada, passei diante dos armários envernizados e do vasos de planta e me enfurnei em meu quarto, em minha pequena aparência de lar, onde me esperava a poltrona e a estufa, o tinteiro e a caixa de tintas, Novalis e Dostoievski, assim como aos outros homens, os homens verdadeiros, os esperam quando voltam a casa a mãe ou a mulher, os filhos, os criados, os cães e os gatos. Quando tirei o casaco úmido, voltou a cair-me entre as mãos o pequeno folheto. Era um livrinho delgado, impresso em papel muito ruim; um livreto de feira, como aqueles fascículos intitulados O Homem que Nasceu em Janeiro ou Como Tornar-se Vinte Anos Mais Jovem em Oito Dias Mas, quando me achava acomodado na poltrona e pusera os óculos para ler, com grande admiração e com a sensação repentina de que ali estava encerrado o meu Destino, dei com o título que figurava na capa do opúsculo: Tratado do Lobo da Estepe. Somente para os raros. E seguia o conteúdo do livreto, que li de um só fôlego, em contínuo e crescente interesse.
Hermann Hesse, "O Lobo da Estepe"
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