segunda-feira, abril 11

O que será que será de Ipanema sem cinemas, teatros, galerias de arte e a livraria que fecha as portas hoje?

Gentrificação, o enobrecimento de uma área da cidade, é palavra horrível para se começar uma crônica e me lembra o verso do Ferreira Gullar, aquele do “Introduzo na poesia a palavra diarreia”. Ela está sendo introduzida na crônica de costumes porque o Rio sofre a gentrificação pelo avesso. Não é mais o enobrecimento, mas o empobrecimento da alma dos bairros. Eles estão ficando todos iguais.


Hoje, ao fim do dia, quando a Livraria Galileu cerrar suas portas, Ipanema, sempre valorizada como ícone mundial da boemia intelectual, restará com apenas uma livraria e um sebo. Junte-se a isso os teatros fechados, os cinemas idem e as galerias de arte, coitadas, essas então, nem se fala. Ipanema dá mais um passo para virar uma imensa Copacabana.

A Galileu era sem charme, sem livreiros especializados e sem gatos coreografando delicadeza pelos cantos – mas era uma livraria. Lembrava glórias do ramo local, como a Dazibao, a Muro, a Carlitos, a Francisco Alves e a Letras&Expressões. Ronronava uma brisa da boa civilidade carioca no trecho que vai da Joana Angélica, no centro do bairro, até sua fronteira ao norte, na esquina de Gomes Carneiro com Francisco Sá.

Esses quarteirões formam um corredor de redes de farmácias, agências bancárias, supermercados, academias de ginástica, lojas de inconveniências, tudo cada vez mais com a mesma cara de todos os outros bairros e principalmente do vizinho, a ex-princesinha do mar. Depois de inventar o Rio moderno nos anos 1950, de ser um bom lugar para encontrar, para passear, Copacabana perdeu a bossa das idiossincrasias avançadas e agora, vingativa, exporta a maldição para além do Posto 6. Ai de ti, Ipanema!

Os bairros do Rio estão perdendo as particularidades que os identificavam e, aos poucos, transformam-se todos no mesmo amarfanhado bege da falta de personalidade. A aristocrática Laranjeiras dos casarões virou uma continuação do estresse plebeu do Largo do Machado, assim como o Catete já tinha deixado de lado seu comércio republicano de móveis. A padronização urbana é evidente. Aos pés do Cristo, assustado com a aproximação dessa mesmice, o fantasma de Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho, pegou a carruagem com destino ignorado.

Uma cidade se faz da confraternização de suas diferenças geográficas, da valorização dos comércios específicos, do reconhecimento dos vizinhos, da lembrança de seus feitos e, para não esticar muito, da preservação do modus vivendi de cada comunidade. Louve-se o redesenho dos jovens para o Largo de São Francisco da Prainha, no Cais do Porto, mas é preciso preservar a memória de algum sopro feliz do que fomos para que a cidade não pire. Para que os militares continuem a se reconhecer no Leme, os professores se cumprimentem na Tijuca de seus antepassados e os executivos executem no Centro.

A gentrificação pelo avesso, com os bairros perdendo a identidade que tinham e sem acrescentar nada de bom no lugar, é uma diarreia sem poesia. Também não dá crônica, aquela literatura tão carioca em que o sujeito se punha a andar pelas ruas para depois contar as novidades no jornal. A novidade de hoje é que fechou mais uma livraria de Ipanema, o bairro onde a boemia intelectual um dia se abrigou e, pela cultura, pelo modo livre de levar a vida, criou uma cidade divertida, diversificada, que o mundo babava de inveja. Parece que no lugar da livraria abre em breve uma farmácia.
Joaquim Ferreira dos Santos

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