Certa vez, durante uma aula na faculdade de jornalismo, uma professora disse, ao citar Proust: “Eu sei que vocês não leram e sei que nem devem conhecer o autor, não é leitura para vocês, mas vou citar a famosa obra dele… aquela…” – ela se referia ao clássico robusto Em busca do tempo perdido. A referência a Proust poderia ter iluminado toda aquela classe de alunos tão jovens, recém-saídos da adolescência, trazendo para nós uma narrativa capaz de se expandir como o tecido infinito de um sol sobre o mundo. No entanto, ao dizer “Eu sei que vocês não leram e sei que nem devem conhecer o autor, não é leitura para vocês”, as palavras escaparam da boca daquela professora como navalhas. Fizeram de Proust um defunto no chão da sala. Eu, que já havia lido No caminho de Swann – tinha uma bela coleção em casa e já estava apaixonada pelo autor –, ergui a mão, atrevida, e proferi que conhecia Proust, fazendo questão de deixar escapar detalhes de sua biografia, como sua homossexualidade, só para realçar a minha relação – que eu já considerava íntima – com o escritor francês. Por trás das lentes, os olhos da professora saltaram, pois ela quase não acreditou que eu já pudesse ter lido “tão difícil autor”. Na saída da aula, alguns alunos cochichavam sobre “a deselegância daquela professora tão arrogante”. Sentiam-se humilhados, e com razão. Fiquei triste ao ver o modo como tentaram fingir indiferença, desdenhando de Proust, como se eles não fizessem parte também do céu psicológico urdido pelo criador de Em busca do tempo perdido.
A professora, que colecionava diplomas universitários, títulos de fazer a gente se entalar, naquela manhã, assassinou a sangue frio um dos autores mais belos da literatura mundial, um mestre que me fez mergulhar nas caudalosas ondas da memória e do tempo, que me deu aulas de crítica literária, me apresentou a grandes nomes da pintura e da música, mas que, sobretudo, me mostrou a beleza de um caminho urdido com longas e melodiosas frases, me ensinando a meticulosa composição para uma estética da palavra, arrebatando meu precoce coração com sua narrativa lírica e tão humana. Foi com dor que o vi estatelado no chão daquela sala de aula. Como podia um homem de grandiosa sensibilidade terminar assim morto diante de um grupo de jovens que poderiam, um dia, vir a amá-lo? Apaixonada, arrebatada, dramática, quis dar-lhe a mão e gritar: “Vem, Proust, eu te salvo!”
Não sei se aquela professora ainda anda por aí a cometer crimes, a matar autores da literatura. Espero que não. No entanto, gostaria de avisá-la que Proust não se pronuncia “Práusti” – que foi o modo como ela falou. Sei que agora fui deselegante ao fazer esta venenosa provocação. Mas se as palavras me vieram assim cheias de rancor é porque ainda não a perdoei por seu crime.
A professora, que colecionava diplomas universitários, títulos de fazer a gente se entalar, naquela manhã, assassinou a sangue frio um dos autores mais belos da literatura mundial, um mestre que me fez mergulhar nas caudalosas ondas da memória e do tempo, que me deu aulas de crítica literária, me apresentou a grandes nomes da pintura e da música, mas que, sobretudo, me mostrou a beleza de um caminho urdido com longas e melodiosas frases, me ensinando a meticulosa composição para uma estética da palavra, arrebatando meu precoce coração com sua narrativa lírica e tão humana. Foi com dor que o vi estatelado no chão daquela sala de aula. Como podia um homem de grandiosa sensibilidade terminar assim morto diante de um grupo de jovens que poderiam, um dia, vir a amá-lo? Apaixonada, arrebatada, dramática, quis dar-lhe a mão e gritar: “Vem, Proust, eu te salvo!”
Não sei se aquela professora ainda anda por aí a cometer crimes, a matar autores da literatura. Espero que não. No entanto, gostaria de avisá-la que Proust não se pronuncia “Práusti” – que foi o modo como ela falou. Sei que agora fui deselegante ao fazer esta venenosa provocação. Mas se as palavras me vieram assim cheias de rancor é porque ainda não a perdoei por seu crime.
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