segunda-feira, abril 11

Domingo sem sol

Ao Anthony Almeida

A crônica não reserva espaço para o pessimismo. Que uma melancolia débil ou uma tristeza perplexa a visitem com cerimônia, aceita-se, mas não a queiram viva no pântano, no inferno, na escuridão. A crônica é a voz espantada das cigarras, a presença inquieta do sanhaço na jabuticabeira, o olhar baço da senhora que não sabe dar informação na rua. “Dona, onde fica a loja de material de construção?” “Ah, meu filho, tudo muda tão depressa.”

A crônica não pode deter os guerreiros, mas faria bem ao mundo se lida pelos imbecis comandantes de armas. Ela não tem força para reverter o conflito dos casais, porém, se pudesse, sopraria em seus ouvidos um dos Noturnos de Chopin e a consciência de que a vida, em potência, é um convite a amar sem interesse. A crônica não se atreve a invadir os celulares e pedir a atenção de seus donos, mas, ora, se ganhasse deles uma escuta pequena e fugaz, os devolveria aos mesmos celulares, só que amparados e livres dessa espécie de busca eletrônica por salvação.

A crônica não canta muito bem. Não dança nada bem. Gagueja. Baixa os olhos se está em evidência. Por ser dotada de tantas inabilidades, ao falar, está certa de que suas palavras são como as cores que habitam as efêmeras borboletas. Pretensiosa, sim. A crônica almeja, nos minutos arrancados dos homens e das mulheres em sua leitura, fazê-los esquecer a própria existência. Quem é, é o outro, aquele de quem ela fala. Não pretende, com isso, tornar-se poderosa, ao contrário, sua ambição é devolver a vida aos vivos.

A crônica é parente das brincadeiras hoje esquecidas. Prima da amarelinha, meia-irmã da cabra-cega, confidente do passa-anel, carrega a infância de todos, inclusive ou principalmente daqueles dos quais ela foi subtraída. Por isso, comunica-se pelo coração e, de leve, toca o leitor durante a conversa.

Falo das crônicas de um domingo sem sol. Mas talvez fale de qualquer uma: noturna, luminosa, pletórica, seca, de rua, de salão, ébria, careta. No fundo, todas sonham despertar no leitor o riso — o sorriso, na verdade.

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