Deus no cirquinho

No circo de periferia, com arquibancada completa, Deus já foi hoje equilibrista, trapezista e agora, de olhos vendados, no globo da morte persegue com sua motocicleta raivosa, diante dos espectadores eletrizados, outra motocicleta furiosa. Do lado de fora, com fome no estômago e desespero no coração, um homem deita-se na calçada que é seu colchão e pergunta-se por que Deus há tanto tempo não faz mais com os pães aquele número da multiplicação.

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Há muito tempo que já não sei se vivo ou se morro, se estou aqui ou se lá, se peço enterro ou socorro.

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É um poeta moderno. Se for preciso, venderá a mãe, mas jamais usará palavras como amor, sonho, flor e primavera.

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É um poeta honesto. Não faz um verso fora de medida, não cobra adicional quando utiliza rimas ricas e nunca submete a jornadas duplas as rimas de seus sonetos.

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Tu deves recordar-te ainda de como os dias luziam e as flores te recebiam no tempo em que eras bem-vinda.

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Quando conheci a poesia, descobri que as lágrimas não eram a única maneira de exprimir minha tristeza.

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Quantos por aí vivem mais felizes que eu, sem nunca terem sabido o que é um subjuntivo.

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Hoje me peguei imaginando se Dante, Shakespeare e Cervantes não seriam meros heterônimos de Deus.

Raul Drewnick