domingo, setembro 10

Pecar, perceber e perdoar

Tenho um amigo que é duro com ele próprio e duro com toda a gente.

Tenho tentado curá-lo, mas é muito mais difícil curar uma coerência do que uma incoerência.

A dureza faz parte dele, e dá valor ao trabalho que faz.

Mas esse amigo é uma excepção. Também conheço pessoas que são duras com elas próprias, mas depois muito laxistas com os outros.

Pode parecer bondade — o que já não é mau — mas é condescendência, como quem diz que não se pode pedir mais às criancinhas e às flores do campo.


Mas o que conheço mais — e toda a gente conhece, infelizmente — são pessoas que são muito permissivas, muito compreensivas, muito abertas ao diálogo com elas próprias, mas que, quando se trata de avaliar os outros, são duros e inflexíveis até mais não.

Esta incoerência não é apenas egoísmo, não é apenas hipocrisia, não é apenas andar sempre com duas bitolas, uma para cada algibeira. É também uma apropriação miserável do pecado. O pecado serve para perceber. Quando pecamos, percebemos que se peque.

A ideia desta percepção é que sirva depois para perdoar o pecado dos outros.

Pecar e prazer são verbos irmanados que nunca andam muito longe um do outro. Mas a surpresa de pecar não é o prazer que dá: é a ausência de castigo.

Avisam-nos de que, se pecarmos, vai-nos cair o céu em cima. E, mesmo assim, resolvemos: “Pronto, que caia, que eu vou pecar na mesma. Já não consigo resistir mais.”

Mas não acontece nada. Não somos castigados. Não fomos apanhados. Não pagamos as consequências. E, nessas afortunadas circunstâncias, não nos custa nada arrependermo-nos.

Por isso é que há tanta gente a confundir, em benefício próprio, o pecar com o ser apanhado, ao ponto de considerar que o pior pecado de todos é, precisamente, ser apanhado.

Pecar é perceber. E perceber é perdoar. Pecamos para perceber a facilidade com que se peca. E assim, quando outros pecam, percebemos que poderíamos ter sido nós a pecar e, por conseguinte, perdoamos.

A ideia de Deus até era boa.

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