É verdade que, mesmo sob o atual regime impessoal, o mundo apresenta falhas na distribuição dos seus benefícios, favorecendo alguns andares do prédio metafórico e martirizando outros, tudo devido ao que só pode ser chamado de incompetência administrativa. Mas a responsabilidade não é nossa. A infraestrutura já estava pronta quando nós chegamos. Apesar de tentativas como a construção de grandes obras que afetam o clima e redistribuem as águas, há pouco que podemos fazer para alterar as regras do seu funcionamento.
Podemos, isto sim, é colaborar na manutenção da Terra. Todos os argumentos conservacionistas e ambientalistas teriam mais força se conseguissem nos convencer de que somos inquilinos no mundo. E que temos as mesmas obrigações de qualquer inquilino, inclusive a de prestar contas por cada arranhão no fim do contrato. A escatologia cristã deveria substituir o Salvador que virá pela segunda vez para nos julgar por um Proprietário que chegará para retomar seu imóvel. E o Juízo Final, por um cuidadoso inventário em que todos os estragos que fizemos no mundo seriam contabilizados e cobrados.
– Cadê a floresta que estava aqui? - perguntaria o Proprietário. - Valia uma fortuna.
– Este rio não está como eu deixei… E, depois de uma contagem minuciosa:
– Estão faltando cento e dezessete espécies.
A Humanidade poderia tentar negociar. Apontar as benfeitorias - monumentos, parques, áreas férteis onde outrora existiam desertos - para compensar a devastação. O Proprietário não se impressionaria.
– Para o que eu quero o Taj Mahal? Sete Quedas era muito mais bonita.
– E a catedral de Chartres? Fomos nós que construímos. Aumentou o valor do terreno em…
– Fiquem com todas as suas catedrais, represas, cidades e shoppings. Quero o mundo como eu o entreguei.
Não precisamos de uma mentalidade ecológica. Precisamos de uma mentalidade de inquilinos. E do terror da indenização.
Luis Fernando Verissimo
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