Depois de ponderar a conduta do senhor de Musashi, compreendi que neste mundo os homens não se dividem entre bons e maus, heróis e vulgares. O inteligente pode ser por vezes banal, o corajoso pode ser fraco, e aquele que no passado esmagou milhares de inimigos em batalhas será agora assaltado em sua própria casa pelos demônios do inferno. Da mesma forma como a mais formosa das mulheres pode mostrar um temperamento feroz, o mais valoroso guerreiro pode subitamente virar uma besta hedionda. Quem sabe o senhor de Musashi não tenha sido o espírito reencarnado do piedoso Buda, que renasce neste mundo de tempos em tempos, graças ao ciclo do samsara, para libertar-nos das ilusões, e que usou o próprio corpo para demonstrar a inexorável lei de causa e efeito?
A monja conclui ainda que:
... incorporando os tormentos do inferno em seu próprio corpo sagrado, o senhor de Musashi mostrou-nos, a nós, mortais comuns, o caminho da iluminação. Sua existência foi uma bênção para todos nós. Escrevo este relato de suas ações com sentimento de gratidão pelo seu espírito gentil e como uma oferenda em favor da tranquilidade de sua alma. Esse é meu único objetivo. Se houver quem ridicularize ou desdenhe o comportamento de meu amo, amaldiçoado seja. Pessoas de discernimento sentirão apenas gratidão.
Seus argumentos parecem um pouco artificiosos, porém, e certos indícios nos fazem suspeitar que talvez não acreditasse nas próprias explicações. Ela nunca se casou e, portanto, é claro que suas
necessidades físicas nunca foram satisfeitas. Uma das suposições é que tenha escrito tudo aquilo para tentar aliviar a própria solidão. Mas isso é mera especulação.
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