Norman Rockwell |
De posse do esboço, como fixá-lo na tela do computador? Como transformar lampejos em palavras, como transpor a rapidez da química mental para a lentidão da escrita? Como agarrar a inspiração antes que escape? Como traduzir a amplitude da emoção para a rigidez do símbolo? Como conduzir o estouro da boiada para o curral do texto? Bem, nessa hora, não há berrante que ajude. Nem berro. Não conheço outro caminho senão o da experiência e do erro. Cerca-se daqui e dali, rodeia-se, fecha-se a porteira com muita rês do lado de fora. Invejo quem consegue, na primeira investida, capturar o rebanho. Em desespero, concluo, às vezes, que jamais fui vaqueiro.
Livro pronto, enfrenta-se o editor, uma pessoa à procura de obras-primas, ou melhor, bom entretenimento, ou melhor ainda, best seller. Coisa fácil, sem reflexão. Tece elogios para Michael Crichton, lamenta que o escritor brasileiro não procure apenas divertir, acha-o muito literário. O leitor, contudo, não é bobo. Sabe que a literatura significa muito mais que soltar tiranossauro num parque.
Depois de publicado, o livro vai para uma feira, ao lado de centenas de milhares de outros. A pergunta sempre me ocorre: há algo que ainda não tenha sido escrito? Por que me dedicar à ficção num mundo aferrado a realidades muitas vezes mais desvairadas que o romance mais imaginoso?
Acredito que existem respostas. Cada autor traz uma experiência exclusiva, sintetiza as visões anteriores do ser humano e acrescenta o tempero da época em que vive. Deixa uma receita modificada, cujos ingredientes recém-adicionados costumam ressaltar sabores já esquecidos. Além disso, este século nunca aconteceu antes, portanto a obra é um testemunho de nosso tempo para o futuro. Se vai ficar, não importa. Há que se escrever.
Já disseram que ser escritor é pior que praga de mãe. Não concordo. É uma atividade como qualquer outra e proporciona prazeres adicionais. Por exemplo, minha alegria neste momento, quando encerro a crônica. O ponto final sempre significa uma vitória, de Pirro às vezes. Perco o amarelo paúra, começo a recuperar a cor. Superei, de novo, a síndrome do papel em branco.
Passo agora a pensar em sua confortável situação, caro leitor. Você aprova ou rejeita o texto, para no meio, põe de lado, sem levar em conta a energia despendida ou meu medo. Posso afirmar: escrever exige mais esforço que ler. Mas há quem goste do ofício. Sou um desses.
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