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Caminhava pela praia, quando meu acompanhante chamou atenção para a novidade: os postes de iluminação da areia estão se transformando em moradia dos joão-de-barro. Nas várias divisórias de concreto, lembrando andares de um edifício, cada casal de pássaros instalou seu ninho, sabe-se lá com que sacrifício, pois foi preciso levar a terra dos jardins até lá em cima, para só então construir, com patas e bicos, aquelas casas quase bolas, antes comuns nos galhos das árvores.
Como nós, as aves que nos cercam se adaptam às transformações da cidade de forma compulsória. Estranhamos o gigantismo dos prédios atuais, elas estranham a falta de árvores, e buscamos sossego e segurança como podemos, para viver da melhor maneira possível.
Há alguns anos, notei que passarinhos de pequeno porte utilizavam o oco dos canos que sustentam os semáforos para se abrigar. Desde a janela do ônibus, admirava sua precisão: vinham voando a toda velocidade e entravam sem titubear naqueles túneis redondos e escuros que só eles conhecem. Não sei como, faziam a volta lá dentro, e ganhavam os ares novamente, repetindo o trajeto várias vezes, sem falhas.
Outra adaptação já se tornou atração turística por aqui. Junto às bancas do Mercado de Peixe, dezenas de garças, de todos os tamanhos, disputam sobras de pescado que negociantes e fregueses lhes oferecem. Estão tão acostumadas à presença humana, que pousam na calçada, sobre os carros, nos telhados. A qualquer hora, pode-se vê-las por lá, à espera do alimento.
Nem todas, porém, já deixaram de pescar. Há várias na beira do mar, esforçando-se para conseguir a refeição do dia. Quando a maré baixa, é possível acompanhar sua técnica, dentro e fora dos canais. Fazem sombra com o próprio corpo para atrair peixes e mantêm fixo o olhar na água, prontas para apanhar o primeiro que aparecer. Depois, com o prêmio prateado no bico, voam para lugar mais seguro onde nenhum concorrente possa disputar a presa.
A praia também é frequentada por urubus, que apreciam todo tipo de carniça que as ondas trazem para a areia. Também eles se adaptaram à paisagem árida da cidade e pousam nas parabólicas, para descansar ou observar o entorno. Os mais pesados chegam a quebrar as antenas que têm hastes, mais antigas e frágeis. Mas todos já estão peritos em se equilibrar sobre as circulares, pousando e decolando sem dificuldade.
De dentro do apartamento, tenho o privilégio de observar alguns desses seres alados de perto. Andorinhas apostam corrida entre os prédios, ágeis como pilotos de fórmula 1, e me deixam acompanhar a elegância de suas manobras. Sanhaços vêm, pela manhã e à tarde, alimentar-se de frutas que a vizinha coloca na janela, e me encantam com suas cores e pios suaves. E eu mesma recebo a visita diária de bem-te-vis, porque gostam das bolachas de água e sal que espalho junto ao vitrô. Sei quando chegam, porque batem os pedaços da guloseima no peitoril para torná-los menores, mais fáceis de deglutir. Mas, quando muito famintos, mal esperam para se aproximar, assim que abro os vidros. Alguns já perderam o medo e não fogem, ao me notar na área de serviço. E um deles me deu grande susto, ao piar alto quando passou por mim…
Apesar de tudo, ainda convivemos na selva de concreto. E sobrevivemos.
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