segunda-feira, julho 19

A ilha

Ao dissipar-se a noite, o filho, depois de ter passado pelo sono sentado no maple, assistiu da janela ao espetáculo do alvorecer. O espelho preguiçoso do mar começou a fremir, libertando-se da névoa; as casas da vila alcandorada sobre o porto cambaleavam ainda, meio adormecidas no lusco-fusco, quando de repente foram sacudidas por um rio de luz quente que se despejou sobre elas: o Sol erguera-se de chofre. O filho fechou os olhos e sentiu correr-lhe por todo o corpo um lento calafrio. Teve a sensação de ser ele a criatura abandonada e moribunda que sofria no outro quarto.

Encontrou o pai soerguido nas almofadas, de cigarro entre os dedos. Ainda tinha vontade e força para fumar. A noite deixara-lhe no rosto as marcas de um cansaço já expiado até ao extremo-limite; nos olhos opacos e na boca quase irônica , a expressão de uma vontade decidida.

- Não imaginas sequer que me mandas transportar até ao vapor. Vou pelo meu pé.

Levantou-se para fazer a barba . Aguentou o primeiro cambaleio apoiando-se à cabeceira da cama.

- Estás a ver?, para ir até ao vapor dás-me o braço tu, "a bengala da minha velhice".

Assim conhecera o filho sempre o pai, e assim, superada a última insídia da degradação, o pai morria, ficando ele, conservando a sua altivez de homem superior às vicissitudes , mais forte do que o próprio destino. Era esta a realidade, o seu verdadeiro primeiro plano; tudo o resto, incluindo a mentira daqueles últimos meses, passava para plano de fundo.

No piróscafo, o pai quis ficar no convés para se despedir da sua ilha; depois desceu para o camarote.

O filho viu a ilha diminuir e desaparecer no horizonte, no imenso fulgor do mar. Foi esse o primeiro instante em que teve consciência exata e pura daquilo que perdia ao perder o pai.
Giani Stuparich, "A ilha"

Nenhum comentário:

Postar um comentário