François Desnoyer |
Eu soube que aquela mulher de negro me conhecia muito bem. Conhecia-me quando eu estava sozinho. Conhecia--me quando eu pensava naquilo que nunca contei a ninguém. Os seus olhos tinham a imagem da minha angústia. Quanto chorei por ti. Hoje, sou eu que preciso de ti, disse-me. Olhei--a nos olhos porque os olhos eram o sítio por onde ela me via. Tínhamos aos mãos dadas, estávamos próximos, mas eram os olhos que deixavam que nos tocássemos. Falou-me de um homem que morria. A morte. Eu encontrei a morte muitas vezes. Há instantes em que a morte me toca. A morte tem mãos de fumo. Em instantes que não consigo prever, a morte toca-me por dentro. Às vezes, dou-lhe a mão, aproximo-me dela, ouço o que tem para me dizer. Eu conhecia muito bem aquela mulher de negro. Dentro da floresta, como se estivéssemos dentro de nós próprios, como se nos tivéssemos encontrado por termos fechado os olhos ao mesmo tempo, a mulher falou-me de um homem que morria. Hoje, sou eu que preciso de ti, disse-me. A minha bicicleta estava largada no chão. Entre as árvores, desde lugares frescos que ninguém conseguiria encontrar, ouvia-se o mistério dos insectos. Um mundo sobre o mundo. Eu olhava a mulher de negro. As palavras deixaram de existir.
O tempo passava entre as árvores. A tarde deixou de existir. Eu, que olhava para a mulher, que a conhecia tanto, gostava de dizer-lhe que não tivesse medo das árvores, dos insectos que espalham mistérios pelo vento, da noite, a noite. Eu segurava a mão da mulher. Os seus olhos estavam cercados por roupas negras, um lenço negro, um xaile negro. Hoje, preciso de ti. Depois de nós, nesse tempo, houve uma verdade que ficou parada nos meus olhos: alguém de quem gostamos muito, o amor, ficará nas árvores, continuará a crescer, como uma criança, dentro dos troncos e dos ramos mais finos das árvores.
Passei os braços sobre os ombros da mulher de negro. Desci as minhas mãos ao longo das suas costas. Senti-a dentro dos meus braços. O seu peito tocava o meu peito. O tempo deixou de existir. O silêncio deixou de existir. As palavras deixaram de existir. A mulher de negro encostou a testa ao meu ombro. Eu sentia todo o seu corpo, velho, frágil, dentro dos meus braços. Abraçando o negro, existíamos antes, durante e depois do futuro.
José Luís Peixoto, "Cal"
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