sábado, julho 24

Os quadros

Sonja Danowski
A mim sempre me impressionou esta história dos quadros. Estão ali em cima durante anos, depois sem que aconteça nada, mas nada digo, trás, chão com eles, caem. Estão ali agarrados ao prego, ninguém lhes faz nada, mas eles a certa altura, trás, caem ao chão, que nem pedras. No silêncio mais absoluto, com tudo imóvel em redor, nem uma mosca a voar, e eles, trás. Não há nenhuma razão. Porquê logo nesse mesmo instante? Não se sabe. Trás. O que acontece a um prego para o fazer decidir que já não aguenta mais? Terá também uma alma, o pobre coitado? Toma decisões? Discutiu longamente o assunto com o quadro, estavam incertos quanto ao que havia a fazer, falavam disso todas as noites, desde há anos, e depois decidiram uma data, uma hora, um minuto, um segundo, é este, trás. Ou já o sabiam desde o princípio, os dois, estava já tudo combinado, olha eu largo tudo daqui a sete anos, por mim está bem, ok, então ficamos entendidos para o dia 13 de Maio, Ok, pelas seis, digamos seis menos um quarto, de acordo, então boa noite, b' noite. Sete anos depois, a 13 de Maio, seis menos um quarto: trás. Não se percebe. E uma daquelas coisas que é melhor não pensar nisso, senão fica-se maluco. Quando cai um quadro. Quando acordas uma manhã, e já não a amas. Quando abres o jornal e lês que rebentou a guerra. Quando vês um comboio e pensas tenho de me ir embora daqui. Quando te olhas ao espelho e reparas que estás velho. Quando, no meio do Oceano, Novecentos levantou os olhos do prato e me disse: — Em Nova Iorque, daqui a três dias, vou sair deste navio.

Alessandro Baricco, "Novecentos"

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