sábado, julho 24

A Biblioteca Americana de Paris

Quando cheguei à Biblioteca na manhã seguinte, Miss Reeder estava sozinha na mesa da sala de leitura, debruçada sobre o jornal. Impecável como sempre, com o seu vestido de malha azul , rímel nas pestanas, batom perfeito, não deixava que os seus receios a impedissem de trabalhar.

Talvez sentindo o meu olhar, ergueu a cabeça. Na sua expressão, vi tanta coisa - preocupação, curiosidade, coragem , afeição.

- Alguém da sua família ficou ferido durante o bombardeamento? - perguntou.

- Não.

- Ótimo - Empunhou uns telegramas. - Infelizmente a minha está a suplicar-me que volte para casa.

Não os censurava. Por vezes, até eu queria ir embora dali.

- Como pode ficar?

Ela envolveu-me suavemente o rosto com as mãos.

- Porque eu acredito no poder dos livros. Fazemos um trabalho importante, garantindo que o conhecimento continua disponível e criando um sentido de comunidade. E porque tenho fé.

- Em Deus?

- Em jovens mulheres como tu e a Bitsi e a Margaret. Sei que vão endireitar o mundo.

Salão de leitura da Biblioteca Americana fundada em 1920

Os leitores do costume reuniam-se em círculos para ler as notícias. O Figaro congratulava os parisienses pelo seu sangfroid. Declarou que tinham sido lançadas mil e oitenta e quatro bombas, matando quarenta e cinco civis e ferindo cento e cinquenta e cinco. Uma fotografia mostrava um edifício bombardeando com os quartos abertos ao mundo como uma casa de bonecas.

- Todas as batalhas são "uma magnífica luta" ou uma "valorosa luta" - observou Monsieur de Nerciat.

- A cada dia que passa, há mais artigos censurados - disse a professora Cohen. - O que estarão os censores a esconder?

Mr. Pryce-Jones quis falar comigo em particular. Os seus leitosos olhos azuis estavam ensombrados de preocupação.

- Se eu tivesse um irmão, ia querer saber.

No vestiário, entre guarda-chuvas partidos e cadeiras instáveis, o diplomata reformado confiou-me que os comunicados não estavam a revelar a verdadeira história.

- Mas ... os jornais dizem que vamos vencer.

Não, disse ele. De acordo com a sua fonte na embaixada, dezenas de milhares de soldados franceses e ingleses tinham sido capturados. Em Dunquerque, os alemães tinham cercado as tropas aliadas que estavam encurraladas pelo Canal. Enfrentando ataques do inimigo, navios ingleses tinham saído para ir recolher os seus soldados. Em breve quase não restaria qualquer presença militar britânica no continente.

Afundei-me numa cadeira, incapaz de conciliar o abismo entre o que tínhamos lido e o que ele me estava a contar. Os ingleses estavam a retirar poucas semanas depois de o verdadeiro combate começar. O que aconteceria às tropas francesas? O que aconteceria ao Rémy?

- Lamento, ma grande.

- Fez bem em dizer-me. Porque não podem eles salvar os nossos soldados?

- De acordo com as minhas fontes, ajudaram todos os que conseguiram. Não se esqueça, estamos a falar de barcos de pesca e botes juntamente com os navios da marinha a tentar evacuar trezentos mil homens.

A Linha Maginot ia manter-nos a salvo. França tinha o melhor exército - não passavam de mentiras. Oh, Rémy , onde estás? Tinha assumido que, se alguma coisa lhe acontecesse, eu saberia, mas não sentia nada."
Janet Skeslien Charles, "A Biblioteca de Paris"

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