O passeio
27 de outubro - O dia foi um passeio vagaroso, íntimo, com um amigo, ao longo da alameda que margina o rio. Duas mulheres de preto vêm vindo ao noso encotro, do nascente. Murmuram, na tarde fria, uma oração, alheias ao sol que desce, ao rio que corre manso, a nós que seguimos mudos. uma delas traz um rosário na mão. Tão metafísicas, tanto, que nos lembram os tibetanos dos livros maravilhosos que há sobre tibetanos. Como estão naturalmente perto de Deus, a muitos mil metros de altura, as suas rezas já estão para além das palavras. À porta de cada templo há um moinho que mói o tempo. O crente, então, chega e reza. Mói. Neutro como um boi de canga, arrasta a pedra, e mói o nada por uma hora, por duas, por quantas os seus pecados.
Na tarde fria, aquelas duas mulheres de preto lembraram-nos o limite para que tende a oração, quando a oração é eita por almas que já são do céu.Miguel Torga, "Diário I"
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