Valei-me, Stanislaw Ponte Preta! Há 55 anos, num julho como este, você lançava o primeiro Festival de Besteira que Assola o País, o Febeapá, uma espécie de balanço do golpe dos militares – e eis-me aqui a lamentar sua ausência para contar as histórias bizarras protagonizadas agora pelos súditos daqueles. Todo dia tem uma.
A mais recente é a da ministra (que Deus nos perdoe) da Família. Sempre tão proba, carola a ponto de negar aborto a uma adolescente estuprada, no fim de semana ela se viu denunciada em suposto pecado por ex-colega de igreja, um outro cidadão de bem que, por sua vez, é notório na fé de distribuir fake news.
Foi aí, divino mestre da fina flor dos Ponte Preta, todos moradores da então pacata Boca do Mato, foi aí que me lembrei de sua frase, e de como ela ainda é na medida para identificar o falso moralismo do Brasil de hoje: “O homem sensato, quando soube que todos seus vizinhos eram pessoas exemplares, mudou-se imediatamente para outro bairro”.
Esses “homens exemplares” retomaram o poder e ao estilo daqueles de 1964 – com Deus no coração e um revólver engatilhado embaixo do travesseiro. “E o homem honesto?”, você se perguntava. “É aquele que se vende caro?” Pois é, Lalau, o Centrão manda responder que sim. Os teus três volumes do “Febeapá” colecionaram as asneiras militares entre 1964 e 1967. Parecia aquela seção da revista Readers’ Digest, Piadas de Caserna, mas era tudo verdade. Os generais proibiram o balé Bolshoi para combater o comunismo, permitiram um jogo da seleção contra a Alemanha Oriental “desde que não tivesse cunho político”. Confundiram “A capital”, do Eça, com “O capital”, do Marx, e mandaram recolher o portuga das livrarias.
Eu gosto também da notícia em que um delegado mineiro, “para evitar ofensa às forças armadas”, proibiu no carnaval fantasias em que as mulheres ficassem de pernas de fora. Você, o mui digno criador das Certinhas do Lalau, concluiu sábio: “como se perna de mulher alguma vez tivesse ofendido as armas de alguém”.
Lalau, os cronistas que te sucederam em 2021 estão naturalmente enfurecidos com esses moralistas do sétimo dia que sonham o pesadelo de uma nova ditadura. Na ânsia louca de botar o maluco presidenciário no olho da rua, fecharam os punhos, cerraram fileiras e partiram para o discurso. Os cronistas perderam a leveza. Você cutucava a pança gorda dos que zelavam pelos bons costumes com a facada do humor.
Diante de instituições do tipo “Liga da Decência” e “Associação de Pais de Família”, todas metidas a reformar os hábitos alheios, você era só o mais risonho escárnio. “Quem tem a consciência tranquila não entra para clube nenhum. A consciência é como a vesícula, a gente só se preocupa quando dói.”
No Brasil 2021 os novos homens de bem praticam um cristianismo de mercado, onde quem dá aos pobres acha que eles merecem R$ 150 de auxílio emergencial. Zombam da fé, os insensatos. Já mataram 500 mil pessoas e avisaram que a vida é assim mesmo, vão morrer outras tantas porque, como você debochava, “quem não morre não vê Deus”.
A avacalhação é geral, mente-se como nos tempos do Febeapá original, “com tanta ênfase que até o contrário do que se diz está longe da verdade” – e eu sinto falta de teu humor para documentar o chorrilho de tantas sandices. Locupletam-se todos, ninguém restaura a moralidade. Muito lalau, meu caro, e pouco Lalau, os males do Brasil são.
Joaquim Ferreira dos Santos
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