Há palavra que nos levam à infância — “torresmo”, “tacho”, “jenipapo”, outras ao fim do curso primário, como “aliás” ou “adversário”.
A infância de hoje tem um vocabulário diferente do meu tempo de menino, porque aprendeu muita coisa na linguagem quase sempre pernóstica do rádio — que existe de mais alarmante que a falsa riqueza vocabular de alguns locutores de futebol? Já essa palavra “locutor” me arrepia um pouco, com seu ar douto e latinizante. Acho que está bem e não proponho nenhuma outra em seu lugar — mas é irresistivelmente antipática, lembra colégio, sala de operação, processo inquisitorial.
O rádio, com sua força tremenda, tende a unificar a linguagem nacional a um ponto impossível de imaginar antes; a língua oficial falada no Brasil em todos os círculos sociais e em todos os estados é, afinal de contas, a da Rádio Nacional. Se amanhã o pessoal dessa estação resolver inventar um adjetivo qualquer — suponhamos, “obvioso” —, esse adjetivo passará a ser falado e escrito por milhões de pessoas, do Acre ao Rio Grande do Sul, com a maior naturalidade.
De alguns anos pra cá a gíria carioca passou a ser fabricada pelo rádio; se em um programa muito ouvido uma pessoa com voz engraçada disser, de vez em quando, “porém talvez”, essa tolice será repetida por nós todos.
Antigamente uma expressão de gíria, para vencer, tinha que passar por um longo processo de seleção; devia ser transmitida de boca em boca até alcançar uma letra de samba ou uma revista de teatro.
Hoje, o Estado ou um grupo capitalista pode impor até um falso folclore, pré-fabricado, como impõe sentimentos e opiniões. O pior é que o rádio se popularizou sem nenhuma tradição intelectual ou cultural e até hoje é relativamente fraco nesse terreno. E grandes massas votam “de ouvido”, pensam “de ouvido”, sentem “de ouvido”…
No meio desses males, a influência pernóstica ou cafajeste do rádio sobre a língua é um mal menor. Mas sempre me dói ouvir uma criança dizer “ludibriar” ou “ultrapassar”… Isso me dá pena.
Rubem Braga
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