E foram-no encontrar discursando sobre as corridas, com convicção, com autoridade, como membro do Jockey-Club. Afonso, na sua velha poltrona, escutava-o, cortês e risonho, com o reverendo Bonifácio no colo. Ao canto do sofá, Craft folheava um livro.E o Dâmaso apelou logo para o marquês. Não era verdade, como ele estivera dizendo ao Sr. Afonso da Maia, que iam ser as melhores corridas que se tinham feito em Lisboa? Só para o grande premio nacional de seiscentos mil réis havia oito cavalos inscritos!
E, além disso, o Cliford trazia a Mist.
- Ah, é verdade, oh marquês, é necessário que você apareça sexta-feira à noite no Jockey-Club, para acabarmos o handicap!
O marquês arrastara uma cadeira para o pé de Afonso, para lhe fazer a confidência dos seus achaques; mas como Dâmaso se metia entre eles, falando ainda da Mist, decidindo que a Mist era chic, querendo apostar cinco libras pela Mist contra o campo – o marquês terminou por se voltar, enfastiado, dizendo que o Sr. Damasozinho se estava a dar ares patuscos... Apostar pela Mist! Todo o patriota devia apostar pelos cavalos do visconde de Darque, que era o único criador português!...
- Pois não é verdade, Sr. Afonso da Maia?
O velho sorriu, amaciando o seu gato.
- O verdadeiro patriotismo talvez, disse ele, seria, em lugar de corridas, fazer uma boa tourada.
Dâmaso levou as mãos à cabeça. Uma tourada! Então o Sr. Afonso da Maia preferia touros a corridas de cavalos? O Sr. Afonso da Maia, um inglês!...
- Um simples beirão, Sr. Salcede, um simples beirão, e que faz gosto nisso; se habitei a Inglaterra é que o meu rei, que era então, me pôs fora do meu país... Pois é verdade, tenho esse fraco português, prefiro touros. Cada raça possui o seu sport próprio, e o nosso é o toiro: o touro com muito sol, ar de dia santo, água fresca, e foguetes... Mas sabe o Sr. Salcede qual é a vantagem da toirada? É ser uma grande escola de força, de coragem e de destreza... Em Portugal não há instituição que tenha uma importância igual à tourada de curiosos.
E acredite uma cousa: é que se nesta triste geração moderna ainda há em Lisboa uns rapazes com certo músculo, a espinha direita, e capazes de dar um bom soco, deve-se isso ao touro e à tourada de curiosos...
O marquês entusiasmado bateu as palmas. Aquilo é que era falar! Aquilo é que era dar a filosofia do toiro! Está claro que a tourada era uma grande educação física! E havia imbecis que falavam em acabar com os touros! Oh, estúpidos, acabais então com a coragem portuguesa!...
- Nós não temos os jogos de destreza das outras nações, exclamava ele, bracejando pela sala e esquecido dos seus males. Não temos o cricket, nem o footbal, nem o runing, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França; não temos o serviço militar obrigatório que é o que torna o alemão solido... Não temos nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra. Temos só a tourada... Tirem a tourada, e não ficam senão badamecos derreados da espinha, a melarem-se pelo Chiado! Pois você não acha, Craft?
Craft, do canto do sofá, onde Carlos se fora sentar e lhe falava baixo, respondeu, convencido:
- O que, o touro? Está claro! o touro devia ser neste país como o ensino é lá fora: gratuito e obrigatório.
Dâmaso no entanto jurava a Afonso compenetradamente que gostava também muito de touros. Ah, lá nessas coisas de patriotismo ninguém lhe levava a palma... Mas as corridas tinham outro chic! Aqueles Bois de Boulogne, num dia de Grand-Prix, hein!... Era de embatucar!
- Sabes o que é pena? exclamou ele voltando-se de repente para Carlos. É que tu não tenhas um four-in-hand, um mail coach. Íamos todos d'aqui, caía tudo de chic!
Carlos pensou também consigo que era uma pena não ter um four-in-hand. Mas gracejou, achando mais em harmonia com o Jockey Club da travessa da Conceição irem todos dentro de um ónibus.
Dâmaso voltou-se para o velho, deixando cair os braços, descorçoado:
- Aí está, Sr. Afonso da Maia! Aí está por que em Portugal nunca se faz nada em termos! É por que ninguém quer concorrer para que as coisas saiam bem... Assim não é possível! Eu cá entendo isto: que num país, cada pessoa deve contribuir, quanto possa, para a civilização.
Eça de Queirós, "Os Maias"
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