quarta-feira, setembro 29

Cúmulo dos cúmulos

Às vezes de noite – meditava naquela ocasião a Pulga – quando a insónia não me deixa dormir como agora e leio, faço um parênteses na leitura, penso no meu ofício de escritor e, olhando fixamente o teto, por breves instantes imagino que sou, o que poderia ser se a isso me propusesse com seriedade desde manhã, como Kafka (claro que sem a sua existência miserável), ou como Joyce (sem a sua vida cheia de trabalhos para sobreviver com dignidade), ou como Cervantes (sem os inconvenientes da pobreza), ou como Catulo (ainda que contra o seu prazer em sofrer pelas mulheres, ou talvez por isso mesmo), ou como Swift (sem a ameaça da loucura), ou como Goethe (sem o seu triste destino de ganhar a vida no Palácio), ou como Bloy (apesar da sua firme inclinação para se sacrificar pelas putas), ou como Thoreau (apesar de nada), ou como Sóror Juana (apesar de tudo); nunca Anónimo; sempre Lui Même, o cúmulo dos cúmulos de qualquer glória terrestre.

Augusto Monterroso,, "A Ovelha Negra e outras fábulas"

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