terça-feira, setembro 21

Assim começa....

O mundo é o que é; homens que não são nada, os que se deixam tornar-se nada, nele não têm lugar. 

Nazruddin, que me vendera barato a loja, achou que eu teria dificuldades ao assumir o negócio. O país, como outros na África, vivera distúrbios depois da independência. A cidade no interior, na curva do grande rio, quase deixara de existir; Nazruddin disse que eu precisaria começar do zero. 

Parti da costa dirigindo meu Peugeot. Não é o tipo de viagem que se possa fazer hoje em dia na África — do litoral diretamente ao centro. No caminho, há um grande número de lugares fechados ou cheios de sangue. E, mesmo naquele tempo, quando as estradas estavam mais ou menos abertas, o trajeto me tomou mais de uma semana. 

Não foram só os areais e os atoleiros, as estradas serpeantes, esburacadas e estreitas subindo pelas montanhas. Havia toda aquela negociação nos postos de fronteira, aquelas barganhas na floresta, do lado de fora de cabanas de madeira que ostentavam bandeiras estranhas. Eu tinha de convencer os homens armados a nos deixar passar — eu e o meu Peugeot —, apenas para encontrar mato e mais mato. E depois eu tinha de arengar mais ainda, e desfazer-me de mais dinheiro, e ceder mais um pouco de minha comida enlatada, para sair — com o Peugeot — dos lugares em que convencera alguém a nos deixar entrar. 

Algumas dessas negociações podiam levar a metade de um dia. O encarregado do lugar pediria uma quantia ridícula — dois ou três mil dólares. Eu diria não. Ele entraria em sua cabana como se não houvesse nada mais a discutir; eu ficaria do lado de fora, porque não havia outra coisa que pudesse fazer. E aí, depois de uma hora ou duas, eu entraria na cabana, ou ele sairia dela, e fecharíamos um acordo por dois ou três dólares. Era como Nazruddin dissera, quando lhe perguntei sobre vistos e ele disse que dinheiro era melhor. “Você sempre pode entrar nesses lugares. O difícil é sair. É uma luta particular. Cada um tem de achar seu caminho.” 

Conforme eu me aprofundava na África — os descampados, o deserto, a subida rochosa das montanhas, os lagos, a chuva das tardes, a lama e depois o outro lado, o lado mais úmido das montanhas, as florestas de samambaias e as florestas dos gorilas —, conforme eu me aprofundava, refletia: “Mas isto é loucura. Estou indo na direção errada. Não pode haver uma nova vida no final disto”. 

Mas fui em frente. Cada dia na estrada era como uma conquista; a conquista de cada dia fazia com que fosse mais difícil voltar atrás. Eu não conseguia deixar de pensar que nos velhos tempos também fora assim, com os escravos. Eles haviam feito a mesma jornada. A pé, é claro, e na direção oposta: do interior do continente para a costa ocidental. Quanto mais eles se distanciavam do interior e de sua área tribal, mais diminuía a probabilidade de fugirem das caravanas e voltarem para casa, mais temerosos eles ficavam dos africanos estranhos que viam ao seu redor, até que finalmente, no litoral, já não causavam problema nenhum e mostravam-se positivamente ansiosos para entrar nos barcos e ser transportados para um lar seguro do outro lado do oceano. Como o escravo distante de casa, tudo o que eu queria era chegar. Quanto maiores os contratempos da viagem, mais disposição eu sentia para seguir adiante e abraçar minha nova vida. 

Quando cheguei, descobri que Nazruddin não mentira. O lugar tivera problemas: a cidade na curva do rio estava em boa parte destruída. O bairro europeu próximo às quedas-d’água fora incendiado e o mato crescera entre as ruínas; era difícil distinguir o que fora jardim do que fora rua. As áreas oficiais e comerciais próximas das docas e da alfândega haviam sobrevivido, assim como certas ruas residenciais no centro. Mas não restava muito além disso. Mesmo as cités africanas só estavam habitadas nas esquinas, mostrando-se arruinadas em outros pontos, com muitas das casas baixas de concreto, pintadas de azul ou verde-pálido e semelhantes a caixotes, abandonadas e infestadas de trepadeiras tropicais que cresciam rápido e morriam rápido, formando tapeçarias marrons e verdes nas paredes. 

A loja de Nazruddin ficava numa praça que abrigava um mercado. Cheirava a rato e estava repleta de fezes, mas intacta. Eu comprara o estoque de Nazruddin — mas dele não vi sinal. Também havia pago por sua freguesia — mas isso já não queria dizer nada, porque um grande número de africanos voltara para a mata, para a segurança de vilas escondidas em afluentes de difícil acesso. Depois de toda a ansiedade para chegar, não encontrei quase nada que pudesse fazer. Mas não estava sozinho. Havia outros comerciantes, outros estrangeiros; alguns haviam presenciado os distúrbios. Esperei com eles. A paz se manteve. As pessoas começaram a voltar para a cidade; os quintais da cité se encheram. As pessoas começaram a ter necessidade dos bens que podíamos fornecer. E os negócios, devagar, recomeçaram. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário