Hoje, para ser franco, queria ser apenas um retrato. Ficar quieto, olhando a agitação dos outros, melhor que ficar triste e resfriado e, fora disso, cair em tédio ou esperança descabida. Hoje eu queria ser um retrato a óleo. Inútil feito a espada do meu avô, silente e frio como o assoalho dos mares, de bigodes imensos como todo retrato que se preza. Pelo menos, ninguém exigiria de mim um entusiasmo que não tenho. Ninguém acharia impertinente meu silêncio porque é justamente próprio dos retratos o silêncio e o cansaço. Pelo menos não teria que assegurar para o futuro a subsistência do corpo e da alma, a vida mínima que se exige de um rapaz bem educado.
Bem sei, no entanto, que nunca poderei ser um retrato. Faltam-me paciência, severidade e busto apropriado. Ao fim de tudo, meus olhos fugiriam pela janela à procura do voo leviano das andorinhas.
Não serei um retrato. Serei eu mesmo até a consumação de tudo. Confesso que hoje estou cansado para sempre. Sempre a bola que bate na parede e volta às mãos do menino, sempre os vulpinos, e a vida, e a morte, e as estrelas, e o corvo, e os seixos, e João Sebastião, e Ariel, e Noel, e as duas fomes, e os "enjambements" e a Standard Oil Company, e a hipertensão da porta, e as andorinhas...
Estou cansado. A simples existência comercial dos calendários me dá vontade de dormir. Custam-me estas palavras fatigadas.
Hoje sou deficitário, noturno e pessimista. Sou um resfriado. Amanhã, talvez... À custa de aspirinas e outros disfarces.
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