domingo, setembro 5
O cego iluminado
Num domingo à tarde do mês passado, fui para casa da minha mãe, como acontece com frequência, fazer-lhe companhia durante a tarde. Mas, apesar de ela ser uma grande conversadora, o calor amoleceu-a nesse dia e passou grande parte da minha visita a dormir a sesta. Como eu não ia preparada para isso, acabei por ir à estante da sala à procura de algo que ler em poucas horas e saiu-me ao caminho o excelente Cândido, de Voltaire, que provoca sempre umas boas risadas e nos faz reflectir sobre o mundo, sobretudo o de hoje. Cândido, como o nome indica, é mesmo um ingénuo que cai nas esparrelas iluminadas do falso filósofo Pangloss, por quem é educado na casa de um barão junto com a filha deste, a menina Cunegundes, que ele ama loucamente. Expulso do palácio com um pontapé no traseiro pelo pai da rapariga quando sabe dos contactos físicos (inocentes ainda), iniciará então um caminho de aventuras e desventuras – com viagens a toda a parte (incluindo Portugal, onde assiste aos efeitos do terramoto de 1755) –, durante o qual assistirá ou saberá dos horrores acontecidos (ou talvez não) a Pangloss, ao barão, à menina Cunegundes e a muitos amigos que vai fazendo ao longo do tempo e que o vão orientando para o pior e para o melhor. No fim, nesta deliciosa sátira contra a intolerância e o fanatismo, Cândido concluirá, sem grandes filosofias, que «quem não trabuca não manduca», coisa que continua a ser verdade nos nossos dias (os clássicos são intemporais), excepto para os grandes ladrões que por aí há. Viva o génio de François-Marie Arouet, aka Voltaire, e da tradutora belíssima, Maria Archer. Foi uma tarde muito bem passada.
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