Meu neto entrou no escritório inesperadamente e me surpreendeu quando eu fazia uma transferência para a conta dele. Continuo a usar a palavra antiga, escritório, ainda que hoje usem ateliê ou estúdio. As palavras não mudam a funcionalidade das coisas, nem a decoração e as divisões de espaço. O que chamo de escritório tem meus livros, minha mesa, o computador em que escrevo desde 1993, meus arquivos de textos, cartas e fotos, jornais empilhados (dos quais darei cabo um dia; o digital está aí), revistas, envelopes com documentos.
– Para mim, vô? Por que isso?
– Era surpresa. Gosto de dar um dinheiro inesperado. E você não deve bisbilhotar o que outros estão fazendo.
– Bisbilhotar? Cada palavra que você usa de vez em quando!
– Tenho outras. Escolha: curioso, metido, intrometido, enxerido, abelhudo, fuinha, meter-se onde não é chamado, indiscreto…
– Por que não me deu o dinheiro aqui?
– Para você ir aprendendo a trabalhar com banco. Ninguém mais guarda dinheiro em casa.
– Ah, é? E o que você guarda naquele livro ali?
Sorri. Pensei: ali deixo algumas notas para emergência, não sei por quê; resquício sofisticado do primitivo costume de guardar dinheiro no colchão. Às vezes me esqueço, encontro meses e meses depois, é uma alegria.
– Descobriu, é? Não disse que você é metido?
– Todo mundo na casa sabe desse dinheiro no livro. Você quase nunca mais foi ao banco, vô. Não gosta?
– Não, não é isso. Até que vez ou outra vou, mas sempre uso caixa de conveniência. Tem um ao lado de praticamente cada ser humano; é muito cômodo, prático. Dia desses vai ter caixa eletrônico no hall de cada edifício, quem sabe até no andar em que moramos.
– Qualquer dia, nem vai precisar de dinheiro. Vai ser tudo no cartão e na senha.
– Já é no dedo, na palma da mão.
– Muito mais higiênico, saudável.
– Ah, quando me lembro dos bancos nos anos 40!…
– Era diferente, vô? Melhor?
– Os prédios pareciam templos, museus. Solenes, fechados, severos, as agência decoradas em madeira de lei, escura. Alguns tinham vitrais imensos, caríssimos, feitos por vidreiros alemães. Bonitos, reconheço. Mas só para uma parte da população. De alguma maneira, as agências intimidavam; nunca se via povão como hoje. E havia um ritual para sacar o dinheiro.
– Ritual?
– Normas, digamos. Hoje você chega, vai direto ao caixa eletrônico ou apanha senha no banco, é atendido. Naquele tempo, não…
Ignácio de Loyola Brandão
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