Eles levantaram feito homens. Eu vi. Feito homens, ficaram em pé.
A gente não devia estar nem perto daquele lugar. Como quase todas as fazendas em volta de Lotus, Geórgia, essa aí tinha uma porção de placas que assustavam. As ameaças penduradas nas cercas de alambrado com um mourão a cada quinze metros mais ou menos. Mas quando a gente viu um espaço pra rastejar que algum bicho tinha cavado — um coiote, quem sabe, ou um guaxinim —, não deu pra resistir. A gente era só criança. Naquela época, a grama batia no ombro pra ela e na cintura pra mim; então, vigiando se não tinha cobra, a gente passou rastejando de barriga. A recompensa valia a dor do sumo da grama e das nuvens de mosquitinhos nos olhos, porque bem ali na nossa frente, a uns quinze metros, eles estavam em pé feito homens. Os cascos erguidos batendo com estrondo, as crinas sacudindo por cima dos olhos brancos enlouquecidos. Eles se mordiam feito cachorros, mas quando levantavam, erguidos nas patas de trás, as da frente em volta do cangote um do outro, a gente ficava sem ar de emoção. Um era cor de ferrugem, o outro muito preto, os dois brilhando de suor. Os relinchos não assustavam tanto quanto o silêncio depois de um coice na boca do oponente. Ali perto, os potros e as éguas, indiferentes, mascavam a grama, olhavam pro outro lado. Então eles pararam. O cor de ferrugem baixou a cabeça e bateu o casco no chão, enquanto o vencedor saiu trotando num arco, empurrando as éguas na frente dele. Engatinhando pela grama, procurando o buraco cavado, evitando a fila de caminhões estacionados adiante, a gente se perdeu.
Mesmo demorando uma eternidade pra ver de novo a cerca, nenhum de nós dois entrou em pânico quando ouviu vozes, aflitas, mas falando baixo. Agarrei o braço dela e pus um dedo nos meus lábios. Sem erguer a cabeça, só espiando pela grama, nós vimos eles puxarem um corpo de um carrinho de mão e jogar dentro de um buraco que já estava esperando. Um pé ficou espetado pra fora na beirada e tremeu, como se conseguisse sair, como se com um pequeno esforço pudesse escapar da terra que jogavam por cima. Não dava pra ver a cara dos homens que enterravam o corpo, só as calças; mas a gente viu a ponta de uma pá empurrar pra baixo o pé que tremia pra se juntar com o resto. Quando ela viu aquele pé preto com a sola clara e rosada riscada de lama empurrado pra dentro do túmulo, o corpo dela inteiro começou a tremer. Abracei os ombros dela com força e tentei puxar o seu tremor pros ossos do meu corpo porque, como irmão quatro anos mais velho, achei que eu aguentava. Os homens já tinham ido embora fazia tempo e a lua era um melão quando a gente sentiu que não tinha perigo mexer a grama e continuar saindo de, procurando a parte cavada debaixo da cerca. Chegando em casa, a gente achou que ia levar uma surra ou pelo menos uma bronca por ficar fora até tão tarde, mas os adultos nem ligaram pra nós. Estavam ocupados com alguma perturbação.
Como você está querendo escrever a minha história, pense o que for pensar e escreva o que escrever, fique sabendo de uma coisa: eu esqueci mesmo o enterro. Só lembrava dos cavalos. Eram tão bonitos. Tão brutos. E em pé feito homens.
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