Dizem que nós, leitores de hoje, estamos ameaçados de extinção, mas ainda temos de aprender o que é a leitura. Nosso futuro — o futuro da história de nossa leitura — foi explorado por santo Agostinho, que tentou distinguir entre o texto visto na mente e o texto falado em voz alta; por Dante, que questionou os limites do poder de interpretação do leitor; pela senhora Murasaki, que defendeu a especificidade de certas leituras; por Plínio, que analisou o desempenho da leitura e a relação entre o escritor que lê e o leitor que escreve; pelos escribas sumérios, que impregnaram o ato de ler com poder político; pelos primeiros fabricantes de livros, que achavam os métodos de leitura de rolos (como os métodos que usamos agora para ler em nossos computadores) limitadores e complicados demais, oferecendo-nos a possibilidade de folhear as páginas e escrevinhar nas margens. O passado dessa história está adiante de nós, na última página daquele futuro admonitório descrito por Ray Bradbury em Fahrenheit 451, no qual os livros não estão no papel, mas na mente.
Tal como o próprio ato de ler, uma história da leitura salta para a frente até o nosso tempo – até mim, até minha experiência como leitor - e depois volta a uma página antiga em um século estrangeiro e distante. Ela salta capítulos, folheia, seleciona, relê, recusa-se a seguir uma ordem convencional. Paradoxalmente, o medo que opõe a leitura à vida ativa, que fazia minha mãe tirar-me da minha cadeira e do meu livro e empurrar-me para o ar livre, esse medo reconhece uma verdade solene: “Você não pode embarcar de novo na vida, esta viagem de carro única, quando ela termina”, escreve o romancista turco Orhan Pamuk em O castelo branco, “mas, se tem um livro na mão, por mais complexo ou difícil que seja compreendê-lo, ao terminá-lo você pode, se quiser, voltar ao começo, ler de novo, e assim compreender aquilo que é difícil, assim compreendendo também a vida”.
Alberto Manguel, "História da leitura"
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