quinta-feira, maio 9

A alma perdida

Sigefredo botou anúncio classificado, dizendo que perdera sua alma, com promessa de gratificar quem a encontrasse. Não explicou – nem podia – como a tinha perdido.

Apareceram algumas pessoas trazendo pacotes com almas, e nenhuma era a dele. Não se ajustavam a seu corpo, e, mesmo que ele quisesse fazer experiência, era evidente que não combinavam com o jeito de Sigefredo. E ele era muito ocupado. Não tinha tempo a perder.

Já se resignara a viver mesmo sem alma quando uma noite encontrou a desaparecida, à porta de um bar, com aparência de pobreza, mas tranquila.

Seu primeiro impulso foi recolhê-la, mas pensando melhor achou que não valia a pena. A alma de Sigefredo também não manifestou interesse em voltar para ele. Dir-se-ia que aprendera a viver por conta própria, e mesmo naquele estado era independente.

Sigefredo passou por sua alma sem cumprimentá-la, entrou no bar e pediu o drinque habitual. Ao sair, viu a alma, a pequena distância, dar alguns passos e lhe saírem dos ombros duas asas, com que ela se alteou, voando para a Zona Norte.
Carlos Drummond de Andrade, “Contos Plausíveis”

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