Sabia-se apenas que era um mendigo que — de repente — virou seresteiro e saiu cantando pelas ruas do Salvador, subindo e descendo suas ladeiras, momentaneamente alegre:
— “A Deusa/ da minha rua/ tem os olhos onde a lua costuma se embriagar” — cantava ele.
Depois parava, meditava sobre o que cantara, sorria e dizia seu sonoro e honesto palavrão:
— Quem costuma se embriagar sou eu, ora… – e arrematava com o palavrão. E lá ia cantando: — “Nos seus olhos eu suponho que o sol/ num doirado sonho/ vai claridade buscar.”
Cantando. O mendigo chegou a uma praça e parou encantado em frente a uma casa. Era uma casa muito grande, parecia um palácio e todo bêbado é um rei. Ele deve ter imaginado uma seresta para sua rainha e cantou:
— “Na rua/ uma poça d’água/ espelho da minha mágoa/ transporta o céu para o chão.”
Outra vez sorriu e outra vez praguejou seus palavrões. Foi então que um homem, vivendo ali seus dias e suas noites, isolado das misérias do mundo, sem mais um resto de temperança, de compreensão, achou que o mendigo estava lhe faltando com o respeito e chamou a polícia.
Pombas! A polícia. Esta mesmo é que não ia compreender nunca o sonho do mendigo-rei. Chegou e tentou agarrá-lo à força.
– Assim não — gritou o intrépido monarca. — Assim não.
Mas o policial insistiu e deu-lhe um tranco. O rei foi magnífico na sua dignidade, esfregando um bofetão certeiro e merecido nas fuças do policial. Um companheiro do esbofeteado sacou da arma e fez fogo. Morreu o rei, morreu o seresteiro, morreu o mendigo.
Caiu desfalecido na calçada, veio-lhe uma estranha impressão e ele morreu: “Na rua/ uma poça d’água/ […]/ transporta o céu para o chão” – cantara ele ainda há pouco. Mas desta vez não. A poça era de sangue.
Stanislaw Ponte Preta
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