quarta-feira, maio 29

De glórias e gloríolas

Uma glória, a única que tive com a poesia, eu a conquistei lá pelos dezesseis anos. Um amigo de meu bairro, o Jardim Saúde, tolo e jovem como eu, sabendo que eu andava versejando, pediu que eu escrevesse um poema para a sua namorada, que estava amuada com ele. Eu cometi a infâmia suprema de um acróstico. Ele o levou à amada como se o houvesse feito. Alguns anos depois eles se casaram. De lá para cá, mais nenhuma de minhas iniquidades rimadas teve efeito sequer parecido.

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A fama, podes gozá-la em vida. De tua glória os pósteros não te poderão dar notícia.

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Não canto o ribeirão, canto o arroio. Não canto o trigo maduro, canto o joio. Não canto o clarão, canto a escuridão, canto o escuro. Canto o direito de ter um defeito, de aprimorá-lo e de, tornando-o perfeito, assim proclamá-lo. Não canto a glória de ter o nome na história, canto o fracasso, canto a pequena glória de ter sido o mais desconhecido de todos os desconhecidos e de morrer assim e de assim permanecer.

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Eu também tive ilusões, e o incrível, e o impensável e o inatingível não eram inadmissíveis nem impossíveis. Acreditei na fama, na glória, na concretização de todos os sonhos e do amor. Olhem bem para mim e me digam se vocês acham que consegui. Que vocês agora embarquem no barco em que um dia embarquei. Se acreditam na fama, na glória, na concretização de todos os sonhos e no amor, tudo bem. Eu também acreditei.
Raul Drewnick

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