segunda-feira, maio 6

Ler por prazer

Eu geralmente leio por prazer, o prazer antecipado de quem compra um livro já prevendo que vai gostar (pelo autor, pelo tema, etc.). Quando essa expectativa não se confirma, largo o livro e pego outro. Se não estou gostando, não forço. Isto não se aplica, é claro, às leituras de trabalho. Se quero um conto de Fulano numa antologia minha, geralmente leio um livro inteiro dele, 15 ou 20 contos, para escolher o mais adequado. Nem todos são bons, mas meu interesse ali é conhecer melhor Fulano, “sentir a mão” dele como escritor, avaliar suas qualidades e suas limitações.


Jorge Luís Borges tem um texto famoso sobre o prazer de ler, repetido em numerosas coletâneas. Diz ele: “Fui professor de literatura inglesa por vinte anos na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires e sempre aconselhei a meus alunos: se um livro os aborrece, larguem-no; não o leiam porque é famoso, não leiam um livro porque é moderno, não leiam um livro porque é antigo. Se um livro for maçante para vocês, larguem-no; mesmo que esse livro seja o Paraíso Perdido – para mim não é maçante – ou o Quixote – que para mim também não é maçante. Mas, se há um livro maçante para vocês, não o leiam: esse livro não foi escrito para vocês.”

É engraçado, porque eu digo o contrário. Borges não falava no contexto brasileiro de hoje. Talvez seus alunos fossem obrigados a ler Sêneca e Ovídio no original, sem poder criticá-los. Hoje, porém, a situação é outra. Os jovens são desestimulados ao esforço intelectual e empurrados para um entretenimento sem fim. Deveria aparecer um Borges que lhes dissesse: “Galera, vocês estão fazendo poupança com dinheirinho de Banco Imobiliário. Quando precisarem, nada terão. Esse entretenimento passa sem deixar marcas, a não ser a resposta automática diante de clichês e de situações já conhecidas... E esse cansaço-prévio mental diante do novo, do diferente, do difícil.”

Não há resultado sem esforço, e a inteligência não brota espontaneamente, tem que ser cultivada pelo uso. Borges se preocupava com aqueles jovens argentinos que queriam, por exemplo, fazer teatro, mas seus professores os obrigavam a aprender grego para ler Ésquilo no original, senão não entenderiam o texto. Hoje, jovens montam Brecht ou Shakespeare sem os ler, leem adaptados para a linguagem moderna, uma diluição, uma versão resumida e mutilada “para ficar ao alcance de vocês”. Fazem o teatro descer até o jovem, e com isso o jovem nunca subirá até o teatro. Sem esforço não há resultado. O prazer de ler não é uma adrenalina instantânea, é uma conquista, uma vitória pessoal de cada leitor sobre a própria insegurança e a própria preguiça.

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