Era uma vez um rapaz que morava numa casa no campo. Era uma casa pequena e branca, com uma chaminé muito alta por onde saía o fumo da lareira, que no inverno estava sempre acesa, e que servia para cozinhar e para aquecer a casa.
À roda da casa havia um pomar com árvores de fruto e, como as árvores eram de várias espécies, havia sempre fruta fresca durante quase todo o ano. No inverno as árvores davam laranjas e tangerinas, na primavera davam peras e maçãs vermelhas, no verão era a vez das ameixas, das cerejas e dos pêssegos, no fim do verão e no outono chegavam os figos e os marmelos e a parreira grande que dava sombra enchia-se de uvas. E, quando passava a estação própria de cada fruta, podia-se comer as compotas que a mãe do rapaz tinha feito e que guardava em tigelas de barro e boiões de vidro que davam sempre um cheiro perfumado a toda a casa.
Mas, além das árvores do pomar, o campo à roda da casa onde o rapaz vivia tinha também outras árvores, muito altas e grossas e que eram tão antigas que já estavam lá antes de a casa ter sido feita pelo avô do rapaz. O castanheiro dava castanhas, a nogueira dava nozes, mas, acima de tudo, as árvores grandes e antigas, como os dois carvalhos em frente de casa, davam sombra e pareciam guardar a casa e fazer companhia.
Junto ao ribeiro, que passava à frente do terreno, havia faias, altas e esguias, e chorões, cuja copa densa caía até o chão e debaixo das quais o rapaz brincava às cabanas com os amigos e com os dois irmãos mais novos.
Mas o sítio preferido do rapaz era o ribeiro. O ribeiro era um braço do rio que passava lá ao longe, na aldeia, e que de repente se separava dele e serpenteava pelo meio dos campos, entre os arrozais e os campos de milho do verão, até voltar a encontrar-se outra vez com o rio principal, já depois de passada a casa. O ribeiro fazia uma curva e depois mergulhava numa pequena cascata de pedras, antes de se alargar e formar um lago, mesmo em frente da casa. O chão era de areia e pequenas pedras, que se chamam seixos, e a água era transparente e ótima para beber.
As pessoas que moravam naquele lugar e na aldeia próxima bebiam daquela água, cozinhavam com ela e pescavam no rio e por isso todos tinham muito cuidado para não sujar o rio, deitando lixo ou outras coisas lá para dentro. As pessoas sabiam que a água é a coisa mais preciosa da vida e que um rio que corre limpo é um milagre da natureza que não pode ser estragado.
Aí, nesse pequeno lago que o ribeiro formava, o rapaz aprendera a nadar ainda muito pequeno e passava lá todos os dias de
verão a tomar banho. Debaixo de água nadava com os olhos
abertos e por isso conhecia já quase todo o fundo do rio, desde as pedras mais bonitas até as várias espécies de peixes que
desciam pela cascata e atravessavam o lago, continuando pelo
rio abaixo em direção ao mar, muito longe dali. Havia também
dois ou três peixes que não estavam de passagem e moravam
nas margens do pequeno lago, entre esconderijos de pedras, cobertos por ramos de árvores que mergulhavam sobre as águas e
escondiam os seus buracos. Às vezes o rapaz ia espreitá-los nas
suas casas e, quando não os via lá, sabia que os peixes tinham
ido nadar ao longo do rio, à procura de comida.
Miguel Sousa Tavares, "O segredo do rio"
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