No que me toca, a compulsão pelos livros surgiu ao ganhar do meu avô, aos seis anos, um exemplar do Atlas Geográfico Melhoramentos, de autoria do Padre Geraldo José Pauwels. Aquilo me pareceu um tesouro, porque ali aprendi sobre os continentes, os países do mundo, as capitais, os oceanos e as cordilheiras.
No Natal seguinte, o presente foi uma coleção das Mil e Uma Noites, em oito volumes, que me revelaram o esconderijo de Ali Babá e os feitos heroicos de Sinbad, o Marujo. Depois, vieram As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain e, então, resolvi ler a coleção integral das Seleções do Reader’s Digest, mantida por meu pai desde seu primeiro número em português, datado de fevereiro de 1942.
Com 10 anos devorei a História do Fluminense, escrita por Paulo Coelho Neto, filho do escritor – e tricolor – Coelho Neto, publicada em 1952 – também herança paterna, ainda hoje mantida entre meus livros.
Tempos mais tarde, fui consultado pelo velho Arino se teria interesse em uma coleção de uns 200 livros policiais norte-americanos, que um amigo seu, em dificuldades financeiras, queria passar nos cobres. Assim, durante uns dois anos li aquelas aventuras, de Raymond Chandler a Chester Himes, de Dashiel Hammet a Rex Stout. A coleção perdeu-se em uma das mudanças da família, embora mais tarde eu tenha recomprado quase todos os livros de Stout, para me deliciar com as façanhas do gordo e genial detetive Nero Wolfe.
Minha segunda biblioteca começou a ser montada a partir da juventude. Descobri os autores brasileiros, inclusive porque o vestibular de Direito exigia conhecimentos sobre literatura. Machado, Graciliano, José Cândido de Carvalho, Dyonélio Machado, José Américo, José Lins do Rego, me apaixonei por todos eles. Fui aos autores do hemisfério norte e trafeguei, entre muitos outros, por Faulkner, Hemingway, Stendhal, Dostoievski, Graham Greene, Dickens, Italo Calvino, passei por Eça e considerei Dom Quixote o maior livro de literatura.
Foi Cervantes quem influenciou os autores fantásticos da América Latina, como Borges, Garcia Márquez, Neruda, Vargas Llosa, Cortázar, Galeano, Carpentier – e deles recolhi toda a seiva possível.
Mas as pessoas se divorciam, resolvem procurar outros destinos e, naquelas incertezas, levam consigo umas mudas de roupa e deixam os livros. Assim, com uns 150 exemplares que então me couberam, comecei a terceira biblioteca.
Hoje, ali estão livros de literatura nacional e estrangeira, muitos de autores paranaenses, biografias, uns cem livros sobre esporte, outros tantos sobre aventuras e viagens, cinema, comunicação, direito, dezenas sobre espionagem, policiais de diversas origens, alguma poesia, política, ensaios, antologias e coletâneas, além de livros corporativos. Tudo me interessa, portanto, vou acumulando.
O quarto travestido de biblioteca há anos não comporta mais nada. O escritório da casa também dá sinais de esgotamento, o espaço livre não passa do fim do ano, a não ser que eu encontre interessados nos 500 exemplares dos livros que escrevi. De toda forma, será preciso arrumar novas estantes e, com elas, invadir outros cômodos.
Um homem é o que lê, já dizia Joseph Brodsky. Tenho e tive amigos admiráveis com bibliotecas tão admiráveis quanto. René Dotti, Eduardo Rocha Virmond, Fábio Campana são alguns exemplos. Paulo Venturelli possui um apartamento-biblioteca. Marcio Renato mantém a sua apenas com livros de boa literatura, ele que também é resenhista.
Em certos momentos, sentado na poltrona da biblioteca, trato de folhear uma ou outra obra, que me levam a outras e assim o tempo passa sem doer. Nessas horas me considero um sujeito bem-aventurado. Com profunda piedade de quem não pode apreciar essa invenção incomparável que é o livro.
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