De vez em quando eu caminhava até ao fim do molhe, até ao cais dos ferries, de onde os barcos zarpavam para atravessar o canal até San Pedro. A viagem de ida e volta custava vinte e cinco cêntimos. Sentia-me um milionário sempre que espetava a minha moeda de vinte e cinco cêntimos e partia para San Pedro. Alugava uma bicicleta e passeava pelas colinas de Palos Verdes. Passava pela biblioteca pública e carregava-me de livros. De regresso à minha barraca, acendia o lume na salamandra e sentava-me ao calor a ler Dostoiévski e Flaubert e Dickens e todos os famosos. Nada me faltava. A minha vida era uma oração, uma ação de graças. A minha solidão era um enriquecimento.
(…)O meu primeiro embate com a fama pouco teve de memorável. Eu era ajudante de empregado de mesa na Marx’s Deli. Corria o ano de 1934. O local ficava no cruzamento entre a Third Street, em Los Angeles. Eu tinha vinte e um anos, vivia num mundo delimitado a ocidente por Bunker Hill, a oriente pela Los Angeles Street, a sul pela Pershing Square e a norte pelo Centro Cívico. Era um empregado incomparável, com vigor e estilo para a profissão, que, embora extremamente mal pago (um dólar por dia mais refeições), atraía uma considerável dose de atenção quando rodopiava de mesa em mesa, equilibrando numa mão uma travessa e arrancando sorrisos aos fregueses. Tinha algo mais para oferecer aos meus clientes habituais além da perícia de empregado, uma vez que também era escritor. Tal fenómeno tornou-se conhecido certo dia, depois de uma fotógrafa bêbeda do Los Angeles Times, que se sentara ao balcão, me ter tirado diversas fotografias a servir um cliente enquanto me fitava com olhos de admiração. No dia seguinte saiu no Times uma reportagem
de fundo associada à fotografia.
John Fante, "Sonhos de Bunker Hill'
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