Acho que nessa época se enraíza a Editora do Autor: Sabino, ainda tenro, acostumou-se a relacionar literatura e dinheiro, e jamais perdeu esse hábito salutar. Seu amigo de tantos anos, sempre o vi preocupado com a melhoria de pagamento, direitos autorais, e todos os pormenores, que defendem praticamente o ofício de escrever. Ele faz jornalismo e literatura: em ambas as atividades, foi sempre um exaltado batalhador da causa profissional.
Ultimamente, deu-lhe na telha que os dez por cento sobre preço de capa, que os editores cedem tradicionalmente aos autores, não compensavam em geral a pena de escrever um livro. Seu irmão Gerson lhe falou dum advogado que imprimira e distribuíra por conta própria um livro técnico, ganhando bastante dinheiro. Fernando procurou o advogado, foi conversar depois com um colega e, em poucos dias, estava formado o novo trio editorial: Sabino, Acosta e Braga. Ao primeiro tocou a parte propriamente editorial da firma; ao segundo, a gerência financeira; ao terceiro, promoções e relações públicas. Os quatro livros agora publicados deveriam constituir o primeiro lançamento, simultâneo, da editora. O Braga, no entanto, conhecendo Jean-Paul Sartre na Bahia, pediu-lhe prioridade para a edição de "Furacão sobre Cuba". Numa semana o livro foi traduzido, impresso e lançado, com a presença do próprio Sartre. A tiragem inicial, vendida rapidamente, deu para montar um escritório e respirar. Os três editores do autor mandaram a bola para a frente.
A primeira iniciativa do chefe das relações públicas foi embarcar a jato para a doce França. O que foi fazer o Braga em Paris é mistério, mesmo para os outros dois sócios. Soube que foi visto nas "terraces" de Saint-Germain, nos castelos de Borgonha, não existindo nenhuma informação de que haja visitado qualquer organização relacionada à indústria gráfica. O Sabino ficou aqui telefonando, cercando o Vinicius, discutindo o preço do papel, fazendo por si mesmo um intensivo curso de composição tipográfica, correndo do escritório às oficinas de Benfica, de Benfica à casa dos editados, falando pelos cotovelos uma terminologia nova, cheia de bodonis, capitulares, garamonds, versaletes, romanos, cíceros, perangonar etc.
De tal maneira se entregava à tarefa, que um dia lhe cresceram as barbas: tive um acesso de riso quando o vi entrar pela minha casa barbudo como um herói de Sierra Maestra. O fato é que o romancista transformou-se em editor num tempo recorde. Além da prática na oficina, deu para procurar conhecidos editores desta praça, extraindo-lhes sem piedade, os segredos do comércio editorial e livreiro. Um dia, almoçando com Jorge Zahar e Ênio Silveira, disse-me este último: "O Sabino é implacável; ele arrancou em dez dias o que eu aprendi em dez anos."
O Braga voltou de Paris, arregaçou também as mangas, os livros ficaram prontos, o lançamento foi anunciado. Quatro autores tímidos chegaram à conclusão de que a publicidade era necessária. Só que ninguém desejava fazê-la, um empurrando o outro às iniciativas promocionais. Uma noite, de revólver moral em punho, Fernando obrigou a Vinicius e a mim de comparecer a um programa de televisão: ao meio de perguntas gratuitas, deveríamos transmitir o nosso comercialzinho, contando que os quatro autores estariam na segunda-feira no Marimbás, às horas tantas, franca sendo a entrada etc. Eu disse que só iria se o Vinicius fosse; o Vinicius disse que só iria se eu fosse. Quando, a fim de evitar defecções, marcamos um encontro prévio no Bar Zeppelin, o Braga botou a mão na cabeça: "Xi, já vi tudo." Para desmenti-lo, chegamos pontualmente na Urca e enfrentamos as perguntas do Jacinto de Thormes. Quando já estava em casa, o Fernando me telefonou: "Vocês são mesmo dois débeis mentais." Tínhamos esquecido do "comercial".
Uma das preocupações do Braga era vestir o Vinicius para a noite do Marimbás, temeroso que o poeta surgisse aos olhos do seu público com blusão esportivo demais. "Quero todo mundo de paletó e gravata" - dizia. O temor do Sabino era sobrevir uma crise de tédio ao Braga na hora H. O medo de Vinicius e meu era difuso e depressivo. Quando estivemos no clube pouco antes da festa, o poeta resmungou sorrindo: "Eu acabo mesmo é voltando a editar os meus livros com os dez por cento de sempre." Fernando dispôs as mesas e os balcões, Rubem Braga ficou encarregado do departamento de líquidos, tudo saiu certo. Às nove horas da noite, o Marimbás estava cheio de gente, alegrando sobretudo o Borsoi, impressor dos volumes, que aceitara o trabalho naquela base dos papagaios. Aquele povo todo comprando livros era a sua mais sólida esperança de pagamento em dia.
Aqui da casa, de Manchete, só faltou o Henrique Pongetti, que edita seus livros na firma de seu irmão. Apesar dessa ausência, outra pessoa contente com o movimento era Adolpho Bloch. E quando o Murilo Melo Filho disse para ele que não tínhamos descoberto o ovo de Colombo, a fim de vender livros, Adolpho replicou: "Não, eles descobriram foi o trabalho." Esta tese irônica me parece correta: a gente trabalha, e muito, escrevendo livros, mas, sem um certo esforço braçal, a venda é incerta.
Escrever é um gesto solitário, vender é um gesto público. Esta contradição explica a fadiga que tomou conta de nós quatro na noite de autógrafos; enquanto os amigos nos davam os parabéns pelo sucesso da festa, tínhamos um ar pálido de derrota. A gente editar a gente (a expressão é de Stanislaw Ponte Preta) é bom, porque se ganha um pouco mais de dinheirinho. Entretanto, a gente vender os livros da gente é um sacrifício. De qualquer modo, fecharemos os nossos olhos, e iremos vender livros em Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém do Pará. Fernando é quem manda.
A pena verdadeiramente grande é não ser possível levar conosco as nossas lindas "vendeuses": Tônia Carrero, Lourdes de Oliveira, Edla van Steen e Elizete Cardoso. Sem elas, temo, com sérios motivos, pelo nosso prestígio.
Paulo Mendes Campos, Manchete 31/12/1960
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