A música de Chico Buarque aí está para dizer que a banda não é apenas uma evocação e uma saudade. É uma instituição, um símbolo, uma segunda linguagem nacional. Quantas vezes gostosíssima, divertida, vernácula, fina e incomparável música essa das bandas, essa dos conjuntos musicais, a que também se batizava com nomes eruditos, como liras, euterpes e filarmônicas!
Nesta cidade de Poços de Caldas elas nunca faltaram, tanto nos seus grandes como nos seus pequenos acontecimentos. E, mais do que os oradores e os poetas, eram a voz do povo, a alegria e a lágrima, o dolorimento e a festa. Um coração no peito popular, palpitando em música. Chegando um filho da terra doutor formado, chegando Pedro Sanches de sua viagem à Europa, chegando um presidente, chegando um Rui Barbosa ou um Santos Dumont, lá estava na Estação da Mogiana a banda para recebê-los em triunfo. Morto Pedro Sanches, morto o Senhor na procissão da Sexta-Feira Santa, lá estava a banda de música estendendo sobre as cabeças baixas o luto melopeico, a desolação de cada um externada ao compasso das marchas fúnebres e dos réquiens. E se eram festas esportivas, se era futebol ou São Benedito, se era um espetáculo, um circo de cavalinhos, uma inauguração ou um aniversário, um carnaval, um piquenique, lá estava indefectível, solidária, estrugindo, resplendendo com trompas e trombones, bombos e pratos, retintins e requintas, bombardilhos e pistons, pífaros e baixos, lá estava a banda festejando os festejos e alegrias com toda a alma dos seus instrumentos. Pois nada de significativo naqueles outroras significava tanto sem eles. E não se tratava de profissionais. Do que viviam mesmo era de ofícios menores: pedreiros, marceneiros, alfaiates, caixeiros, oleiros, jardineiros, sapateiros. Filhos do povo, dispersados no dever dos seus diversos e duros batentes de cada dia, era a paixão comum que os congregava nos ensaios noturnos e nas retretas. Humildes e obscuros, se tornavam grandes sob a grandeza de Wagner, de Beethoven, de Verdi, de Puccini, de Mozart, de Carlos Gomes, de Strauss e de tantos outros mestres de que muita gente municipal jamais teria tido notícia não fossem esses heróis proletários da cultura musical, os figurantes dessa orquestra a pé e sem casaca, a banda de música.
E como eram admiráveis as nossas bandas, as que alcancei ainda em menino! Principalmente a do major Trindade e a do Pedro de Castro, nos seus magnificentes uniformes militares, uns à italiana, os emplumados capacetes à bersaglieri, outros ao figurino de estupendas, ainda que fantásticas, milícias. Possivelmente aí as encontrássemos na sua maior opulência e nas suas maiores glórias, como décor. De então por diante perderam-se as vistosas vestimentas, perderam-se os músicos, morreram os músicos e os velhos maestros, porém a banda não morria. Era como uma roseira sonora entre cujos espinhos as floradas se sucedessem. A banda de música se fez uma tradição, um testemunho de que o ideal predominante não é o de nos tornarmos donos de supermercados e de que existe entre nós uma civilização própria, uma arte própria, um culto à beleza e ao espírito que salgam o toucinho das mediocridades coletivas e impedem o todo de bichar e apodrecer.
Mas vieram estes dias impetuosos de hoje. E por eles estive sabendo que isso não vale mais nada. Ou não vale duas patacas no orçamento municipal. O coreto no jardim ficará vazio, ou talvez já convertido num mictório apoteótico para atração e conforto de turismos urinários. E não sei a quem dizer do meu pesar: se ao povo, se à prefeitura, se à banda de música do maestro Benedito Luizi ou se apenas a mim mesmo.
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