segunda-feira, junho 14

Gógol, Câmara Cascudo e Hobsbawm estão entre os banidos do acervo da Fundação Palmares

Em 1842, o russo Nikolai Gógol lançou “Almas mortas”, o grande romance da época. Com a história de um especulador que chega ao interior para comprar servos mortos, lançou o que muitos consideram as bases para o trabalho de Tolstói e Dostoiévski. Mas, aparentemente, não é credencial para estar no acervo de livros da Fundação Palmares.

Uma edição de 1937 está na lista dos da autarquia, divulgada na sexta-feira.

— De forma cômica e crítica, o livro trata da servidão que vigorava na Rússia e em vários países do mundo e que, em parte, se assemelha ao regime da escravidão do Brasil. Por sua temática, teria particular pertinência para uma instituição que porta um nome de luta e resistência dos povos escravizados — diz Rubens Figueiredo, tradutor da edição publicada pela Editora 34.


O exemplar agora divide um destino incerto com outras obras históricas, como “Dicionário do folclore brasileiro”, de Luís da Câmara Cascudo. A fundação até o chama de “clássico”, mas “gramatical e ortograficamente desatualizado”, “com páginas soltas e exibindo um forte cheiro de mofo” — o que seria motivo se livrar dele, e não para restaurá-lo.

— A justificativa é ridícula, e existem edições novas com ortografia atualizada. O dicionário (publicado originalmente em 1954) é uma referência para inúmeros estudos que vêm depois — diz o historiador e escritor Luiz Antônio Simas.

Se Gógol será limado sem explicações e Cascudo pela velhice, o historiador Eric Hobsbawm e seu “Bandidos” perderam lugar por serem “clássicos da delinquência”.

— Esse trabalho (de 1969) traz uma grande inovação porque entende o banditismo como fenômeno social. Ele não idolatra bandidos, ele quer entender por que, em que condições particulares, que vão desde o Nordeste do Brasil ao Sul da Itália, eles viram figuras importantes — explica o cientista social Bernardo Ricupero, da USP, cujo livro “Caio Prado Jr. e nacionalização do marxismo no Brasil” também está na lista. 

— Mas Hobsbawm e Caio Prado Jr. não vão desaparecer por isso. Muito pelo contrário.

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