Pela manhã, quando a frota da sardinha fez boa safra, entram as barcaças na baía a apitar, balouçando pesadamente. Cheios a deitar por fora, os barcos acostam ali, onde o rabinho das fábricas mergulha na baía.
A imagem é de avisada escolha, porque se as fábricas mergulhassem a boca na baía as sardinhas enlatadas que emergem do extremo oposto seriam, metaforicamente pelo menos, ainda mais repugnantes. Depois estridulam as sereias das fábricas, e em toda a vila homens e mulheres enfiam as suas andainas e correm direito ao Bairro para dar começo à faina.
Automóveis reluzentes levam as classes superiores, os superintendentes, os guarda-livros, os patrões, que logo desaparecem nos escritórios. Da vila surgem italianos, chineses e polacos em torrente, homens e mulheres de calças, casacos de borracha e aventais de oleado. Chegam correndo para limpar, cortar, lotar, cozinhar e enlatar o peixe. A rua toda rumoreja, geme, guincha, trepida, enquanto os prateados rios de peixe se escoam dos barcos, os quais vão alteando mais e mais até ficarem vazios. As fábricas rumorejam, trepidam e guincham até o último peixe estar limpo, cortado, cozinhado e enlatado; e então estridulam de novo as sereias, e os italianos, os chineses, os polacos, homens e mulheres a pingar, estafados, fedorentos, arrastam-se derreados pelo monte acima a caminho da vila, e Cannery Row volta a ser ele mesmo — tranquilo e encantado. A sua vida normal restabelece-se.
John Steinbeck, "Bairro de lata"
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