Quando é tempo delas e o vento mas oferece, entretenho-me a descascar as ervilhas-de-cheiro dos outros cheiros todos, para dar uma volta pelo jardim-escola; outras vezes, deixo-me temperar pelo manjericão, o jasmim, a hortelã, para vogar neste vento tão pegajosos e tão atlântico até ao porto de Tânger.
Sou dos que acreditam – eu acreditei, a pés juntos, que um dia passei a estar "onde vejo o vento" -, e o vento tem-me seguido como uma sombra, fiel e dedicada, com um comportamento onde me reconheço e por isso nos confundimos; muitas vezes penso que tenho andado enganado e, afinal, não passo da sombra do que se entende como sombra.
E que ninguém se atreva a esperar por parágrafos de ferro forjado, como "sombra da minha sombra"; deixemo-los sossegadinhos para os teclados eruditos de quem gosta de se considerar e que se lhe chame escritor, debruçado sobre lombadas com malvas a aviar escrita e importância, notoriedade, sôfregos de eternidade.
Nunca me passou pela cabeça a canseira, a ansiedade que deve ser escolher a escrita por figurino, por catálogo, e continuo a escrever pelo puro prazer de escrever, sei lá se é poesia ou sei lá se é prosa, só sei que continuamos a brincar às escondidas, a curtir, quando não é uma urgência de fazer doer a alma a qualquer um.
E eu que o diga, a sério.
O vento é uma boa desculpa, podia ser um belíssimo pretexto se, entretanto, não me desse por contente com o que acabo de escrever e, precisamente por isso, vou mas é até lá fora sentar-me ao sol e deixar-me ficar só a ver o vento.
É que a escrita perde sempre piada quando a literatura começa a intrometer-se, quando permitimos que a literatura comece a meter o bedelho.»
Jorge Fallorca. "Blues para uma puta velha"
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