As pererecas, umas hóspedas invisíveis, anunciavam a mudança do tempo com um canto rascante como um rilhar de dentes.
Passado o verão, a serra transformara-se num chamariz de nuvens saturadas. As primeiras águas eram violentas e o céu a bombardeava.
Pegava a chover; semanas e semanas pluviosas empapavam o sítio. Um chuvão, cada pé-d’água e fazer um mar no baixio.
A tanajura enfiava-se no chão e o embuá, doente de andar com suas mil pernas, enroscava-se.
Sericóias cantadeiras e araquães amantes da umidade festejavam o dilúvio.
A saparia enchia a noite com a sua cantiga interminável, entoando as canções do charco, na sua riqueza de ritmos, desde a bigorna do caldeireiro até a arraia-miúda dos tocadores de flautim. Bastava um aguaceiro para animar a folia , vingando a mudez dos peixes.
O caçote, um sapo escuro e esguio, gritava na goela da cobra-preta que, em vez de silvar, coaxava.
A frente da casa espelhava de poças, onde lavandeiras familiares tomavam seu banho, aos casais , com gritinhos amorosos.
Outra pancada d’água e ressoava um canto festivo. A cachoeira, a gorjear, alegrava os dias e as noites com sua música fluida.
Os meninos pulavam debaixo das biqueiras.
Vinha mais inverno e a terra deixava de ser terra; mal comparando, virava um mar de lama.
A enxurrada corria até os altos e os caminhos eram cortados de atoleiros. Só o jumento tinha uma ciência: farejava o tremendal e, se havia risco, empacava.
Tanta mosca que escurecia tudo. Os animais peludos ficavam em carne viva comidos por essa caterva.
Aí, ninguém aguentava. Com um tempo semelhante tínhamos que levantar acampamento.”
José Américo de Almeida, "Memórias: antes que me esqueça"
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