Estava aqui pensando na prosa fina de certos escritores do século passado enquanto olhava a cortina de chuva de verão brilhando mais uma noite sob o poste de luz da praça. Pensava especialmente num casal de escritores, decerto pouco famoso, entre os nossos casais de escritores, a considerar o mar anônimo de fãs e o expediente da ênfase que dão lustro à fama. Falo de Luís Martins e Anna Maria Martins, cuja discrição dentro da cena literária brasileira era o que era: coisa rara.
Cronista diário por mais de trinta anos, Luís Martins teria escrito pelo menos sete mil crônicas, metade do número insano atribuído a Rubem Braga, mas, vá lá, sete mil crônicas não é algo que, mesmo com extrema discrição, não se faça notar. E que humor tão cálido e brincalhão tinha o Luís cronista. Que ironia tão sabiamente dosada. Talvez aí seu teor vagamente impopular, nessa fineza, nesse modo de dizer honestamente, humanamente, sem com isso esbofetear quem vem passando. Também assim era Anna Maria contista, uma escritora de palavra precisa, que, com muito pouco, alcançava extraordinárias sutilezas, sóbrias contundências, numa contenção de enriquecer tensões psicológicas. Há raros palavrões em seus contos, mas, justamente, porque raros, palavrões com carga máxima.
Era nisso que eu estava pensando enquanto olhava pela janela a água brilhando no halo de luz do poste lá fora. No largo alcance das coisas implícitas, subentendidas, nuançadas de contraditórias emoções. Na vasta duração disso que não escancara, mas sugere, e do que é nojo sem gorgolejo de tripas, e do que é pungente sem nem esgar de grito, e do que é violento sem porretes ou porradas. Pensando aqui, depois da chuva, que, tal como na vida, há na literatura sutilezas e truculências bem letradas.
Mariana Ianelli
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