É engraçado como cada época se foi considerando «de charneira» ao longo da história. A pretensão de se ser definitivo, a arrogância de ser «o último», a vaidade de se ser futuro é, há milénios, a mesmíssima cantiga.
Temos de ser mais humanos. Reconhecer que somos as bestas que somos e arrependermo-nos disso. Temos de nos reduzir à nossa miserável insensibilidade, à pobreza dos nossos meios de entendimento e explicação, à brutalidade imperdoável dos nossos actos. O nosso pé foge-nos para o chinelo porque ainda não se acostumou a prender-se aos troncos das árvores, quanto mais habituar-se a usar sapato.
A única atitude verdadeiramente civilizada é a fraqueza, a curiosidade, o desespero, a experiência, o amor desinteressado, a ansiedade artística, a sensação de vazio, a fé em Deus, o sentimento de impotência, o sentir-mo-nos pequeninos, a confissão da ignorância, o susto da solidão, a esperança nos outros, o respeito pelo tempo e a bênção que é uma pessoa sentir-se perdida e poder andar às aranhas, à procura daquela ideia, daquela casa, daquela pessoa que já sabe de antemão que nunca há-de encontrar.
O progresso é uma parvoíce. Pelo menos enquanto continuarmos a ser os animais que somos.
Miguel Esteves Cardoso
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