Além disso, naqueles primórdios, o fogo e a roda se combinaram muitas vezes para destruir e matar. Já a palavra quase sempre trouxe a luz. Não quero dizer que a palavra fosse inocente —afinal, o primeiro instrumento da escrita pode ter sido um osso, não se sabe de quê ou de quem. A primeira tinta foi o sangue. E, como bem sabemos, nada como a palavra para disseminar o preconceito, a mentira e o ódio. Mas estamos falando de origens, não de fins.
Em pouco tempo, o fogo e a roda foram assimilados como se sempre tivessem existido. Mas a palavra, não. Ela continua a ser uma grande e permanente descoberta. Uma descoberta pessoal, exclusiva de quem está sendo ungido por ela, um Big Bang individual. Neste exato momento, em toda parte, há alguém descobrindo a palavra e a fórmula secreta de que ela se compõe —a soma do símbolo, do som e do significado.
E as palavras são muitas. A palavra dita, a palavra escrita, a palavra impressa. A palavra exata ou a palavra mágica. A palavra aos gritos ou sussurrada; a palavra só pensada, nunca pronunciada; ou a palavra à força silenciada. Tudo é a palavra e a palavra é tudo. Às vezes ouvimos que "uma imagem vale por mil palavras." Mas, como desafiou Millôr Fernandes, tente dizer isso sem palavras.
É um privilégio estar sendo aceito nesta instituição, cuja matéria-prima é a palavra.
Ruy Casttro, introdução do discurso de posse na Academia Brasileira de Letras
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