quinta-feira, março 2

De olhos fechados

Há centenas de situações na vida, momentos de espera, uma viagem, uma sesta, enfim, vários em que, podendo fechar os olhos, não o fazemos. E entretanto é uma maravilha.

Aprendi por mim mesmo a ter dois comportamentos de olhos fechados. Um é o da meditação: deixo fluir o que me vem à mente, sem exercer qualquer controle racional ou pensamento dirigido. O que a mente fizer jorrar como uma fonte de água é aceito sem censura. Nada de dirigir o pensamento para algo, um problema, uma recordação. A mente, em seu fluir errático, é que comanda. Às vezes, o fluxo começa desordenado e caótico, mas com uns dez minutos tudo vai se ajeitando e a gente pode até entrar no sono fisiológico.

O descanso que se segue é inimaginável. No caso de dormir um pouco ou cochilar, basta um minuto de desligamento total para que um fluxo de energia nos invada, prazenteiro. Mas se não cochilar, tudo bem. O fato de os pensamentos dimanarem livremente tem um potencial enorme de descanso. E muitas vezes, sem que se tenha fechado os olhos com essa finalidade, aparece magicamente a solução para algo que inquietava ou espoca, sem esforço, uma boa idéia. É formidável.

O outro comportamento que aprendi por mim mesmo, de olhos fechados, é o do transporte e da sintonia. Aqui, em vez de deixar o pensamento fluir, venha como vier, eu faço um cenário imaginário, fixo-o bem na memória, com detalhes, e ali entram coisas, lugares e pessoas reais, vivas ou mortas. Ou então busco uma sintonia com o que me parece ser uma corrente de sintonia proveniente de espíritos de muita luz. E faço, sim, algum esforço de concentração para entrar em sintonia com aquela vida, atual ou remota.

Certa vez, entrei, numa suave manhã de outono em uma igreja pequena que existe numa ladeira de Santa Tereza. Ninguém lá. A paz era tanta que jamais me esqueci. Pois de olhos fechados, volta e meia retorno à igreja e lá coloco mentalmente quem desejo, rezamos juntos ou apreciamos a paz. Tento reter e ampliar a sensação.

Como nesta experiência, repito outras de minha vida. Por exemplo: amei, emocionado, a cidade de Bruges, na Bélgica. Pois para lá me transporto mentalmente, levo quem quero, vivo ou morto, e faço um certo esforço (relativo) de recordar ruas, aquele rio, árvores, converso com a pessoa que levei e ambos vibram em uníssono com um sentimento comum que é mais um assentimento que outra coisa. Terrível é quando chega alguém e interrompe tudo falando comigo ou soltando: “Isso não é hora de dormir”.

Outro campo maravilhoso para os olhos fechados é a música. Não duvidem. Ouvir música de olhos fechados, deixando o pensamento livre, é uma das maiores felicidades da vida.
Artur da Távola

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