quarta-feira, março 8

Enquanto esse dia não chega

Um dia, você vai achar isso chato pra burro. Hoje, você corre, pula, faz brilho nos olhos e ri de iluminar a grama.

Daqui a alguns anos, vai prestar o serviço militar. Mas há pouco, fizemos um passeio de charrete, você atento ao som dos cascos do cavalo no asfalto. O condutor te deixou segurar as rédeas por um momento, mas você apreciou mesmo foi a flor de plástico presa à crina, que balançava no ritmo do trote. A carroça chacoalhando te deu sono, e você dormiu com a cabeça no colo da mãe.

Chegará o tempo de você sofrer por amor. Por enquanto, andamos de pedalinho no lago. Você queria participar, mas suas pernas não alcançavam os pedais; então, jogou farelo para os peixes e vibrou quando o nosso pedalinho ultrapassou o do jovem casal mais preocupado em se beijar do que em apostar corrida.

Amanhã, você terá de correr atrás de prazos e vencimentos. Hoje, há o tempo para uma água de coco. Tivemos que convencer a mãe de que uma pamonha não ia atrapalhar o almoço. A cada um que encontrava na praça, você mostrava com orgulho seu boné azul que, um pouco grande pra sua idade, afundava na cabeça.


Numa noite fria, você vai perder o sono por uma dívida qualquer. Mas neste dia faz sol, fomos à praça dar pão amanhecido aos patos. A diversão durou uma hora e meia, até que acabou, não por fastio, mas por falta de pão – se dependesse de você e dos bichos, a gente passaria o dia ali. Então, você descobriu que com os gansos é até mais divertido, o escarcéu é maior.

Haverá decepções na jornada. Talvez a primeira tenha sido o sorvete local de groselha quase roxo de tanto corante, que, à medida que você chupava, ia perdendo o gosto e a cor até ficar branco, só gelo, sem graça de tudo.

Muita coisa vai escapar pelos seus dedos nesta vida. Por ora, você ganhou duas bolas de gás no restaurante – uma vermelha, outra azul – amarradas ao pulso. Correu entre as mesas para mostrar às outras pessoas. Uma estourou e você ameaçou um choro. Mas logo se esqueceu desse pequeno desgosto e procurou outra coisa para se entreter.

Mais para frente, seu corpo inventará algumas traições. Mais para o fim do dia, jogamos um pouco de bola no gramado. Bola de plástico, leve e ovalada, dessas que o vento decide a direção mais que a força do chute, e que faz juntar criança. O goleiro era um cachorro de rua que saltava nas bolas, e era craque: defendia quase todas com o focinho. Você quase não conseguia chutar de tanto que se curvava para rir.

Vimos também um casal de tucanos numa palmeira roendo macaúva. Uma moto que passou, puxando um cavalo por uma corda. Uma cutia que se embrenhava pelas moitas, fugindo da molecada que a perseguia. Vi um sujeito sentado na praça de bigode e chapéu que me lembrou meu nonno, e pensei em como ele ia gostar de ver seu bisneto esbanjando vida e saúde.

Um dia, você vai achar tudo isso uma chatice sem fim. Vai morrer de tédio ou vergonha de andar de mãos dadas com o pai, sem se dar conta de que ele está no paraíso.

Tudo bem. Daqui a umas quatro décadas, o gosto pela coisa volta. Provavelmente, com os papéis trocados.
Cássio Zanatta

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