segunda-feira, março 20

O gato e o sofá

Depois que o gato morreu e o sol que toda tarde vinha brincar com ele na sala deixou de vir, o sofá definhou por algum tempo ainda e um dia se foi também, levado por um belchior pedincheiro.

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Fui tão triste quanto pude. Pude pouco. Minha tristeza bastou ao homem, mas foi insuficiente para o poeta.

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Quem diz que sou bem-humorado e me felicita por isso não imagina quanto me custam os sorrisos e como me sinto falso depois de cada um deles.

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Sou indigno de minha tristeza. Se a exprimisse, vocês deveriam estar chorando. Vocês estão?

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Se eu fosse resumir o que andei fazendo na vida, não precisaria usar mais do que um verbo – escrever – e alguns advérbios: muito, pouco, bem, mal, apaixonadamente, desesperançadamente.

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Sou o que de mim fizeram os sonhos da juventude. Falharam os promissores e também os que não eram.

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Um dia, o menino acordou sentindo-se esquisito. Era como se durante a noite houvesse envelhecido alguns anos. Tossiu uma tosse seca e, tomado por um mau pressentimento, pegou embaixo da cama a caixinha em que guardava seus tesouros. Abriu-a. Tinham sumido todos os seus domingos.

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Ontem fui um casarão onde brincavam meninos, onde cantavam meninas. Nem sei onde agora estão, sou hoje todo ruínas.

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Não sou nada além de um homem comum, um desses que a glória não coroa, nem a história. Que a vida e o tédio consomem.

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