quinta-feira, março 16

Donos do mundo

Todo mundo quer ser dono do fim do mundo.

Foi o que meu pai me disse, junto às janelas arredondadas de seu escritório em Nova York — gestão de recursos privados, dynasty trusts, mercados emergentes. Estávamos, coisa rara, compartilhando um momento no tempo, um momento contemplativo, tornado completo pelos óculos escuros clássicos de meu pai, que traziam a noite para dentro da sala. Eu examinava os quadros nas paredes, obras de diferentes graus de abstração, e comecei a me dar conta de que o silêncio prolongado que se seguiu a seu comentário não pertencia a ele nem a mim. Pensei na esposa dele, a segunda, a arqueóloga, cuja mente e corpo depauperado em breve haveriam de se dissipar, seguindo um roteiro previsível, no vazio.

Aquele momento me voltou à lembrança alguns meses depois, do outro lado do mundo. Cinto de segurança afivelado, eu estava no banco de trás de um carro blindado, um hatch com vidro fumê nas janelas laterais, cego dos dois lados. O motorista, separado do banco de trás por uma divisória, usava uma camisa de time de futebol e calças de moletom com um volume no quadril que indicava a presença de uma arma. Depois de uma hora de viagem por estradas esburacadas, ele parou o carro e disse algo para o dispositivo preso em sua lapela. Então girou a cabeça quarenta e cinco graus em direção ao banco do carona. Concluí que era hora de soltar o cinto de segurança e saltar.

Aquela viagem de carro era a última etapa de uma maratona intercontinental, e me afastei do veículo e fiquei parado por algum tempo, entorpecido pelo calor, carregando minha mala e sentindo meu corpo relaxar. Ouvi o motor dar a partida e me virei para o carro. Ele estava voltando para a pista de pouso particular, e era a única coisa a se mover ao longe, que em breve haveria de sumir na paisagem ou na penumbra crescente ou no horizonte puro e simples.

Dei uma volta completa, percorrendo com a vista lentamente a extensão de deserto de sal e pedregulho, onde só havia algumas estruturas baixas, talvez interligadas, difíceis de distinguir naquela paisagem estorricada. Não havia mais nada, nenhum outro lugar. Eu não conhecia a natureza precisa de onde estava
indo, só sabia que era remoto. Era fácil imaginar que meu pai, à janela de seu escritório, havia extraído seu comentário daquele mesmo terreno nu e das formas geométricas que com ele se confundiam.

Ele estava aqui agora, eles dois, pai e madrasta, e eu viera para fazer uma visita rapidíssima e lhes dar um adeus incerto.

O número de estruturas era difícil de calcular, estando eu tão perto delas. Duas, quatro, sete, nove. Ou então uma apenas, uma unidade central com extensões que se irradiavam dela. Imaginei-a como uma cidade a ser descoberta no futuro, autônoma, bem preservada, anônima, abandonada por alguma cultura nômade desconhecida.

O calor me dava a impressão de que eu estava encolhendo, mas eu queria permanecer ali mais um momento e olhar. Eram prédios escondidos, agorafobicamente fechados. Eram prédios cegos, silenciosos e severos, com janelas invisíveis, planejados para implodir, pensei, quando o filme chegar ao momento do colapso digital.

Fui seguindo por um caminho calçado com pedras e cheguei a um portão largo onde havia dois vigias. Camisas de futebol diferentes, os mesmos volumes nos quadris. Estavam atrás de uma fileira de estacas que impedia a entrada de veículos.

Nas laterais do portão, longe do centro, coisa estranha, dois outros vultos, envoltos em xadores, mulheres veladas imóveis.

Don DeLillo, "Zero K"

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